Doses maiores

29 de setembro de 2017

Nós e os robôs, os robôs e nós. Os robôs e os robôs

Em 1942, o escritor de ficção científica Isaac Asimov criou três leis para proteger os seres humanos dos robôs:

1 - Um robô não pode ferir um ser humano.


2 - Deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto se entrarem em choque com a primeira lei.


3 - Deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira ou segunda lei.


Em 1950, um dos idealizadores do computador, Alan Turing, criou um teste para verificar a capacidade de uma máquina exibir comportamento inteligente o suficiente para se passar por uma pessoa.


Em 2011, o cientista da computação, Hector Levesque, criou o desafio Winograd, que pede aos computadores para explicar o sentido de frases ambíguas, que, geralmente, são interpretadas pelos seres humanos sem equívocos.


Como se vê, as preocupações sobre a presença robótica na vida humana são muito anteriores à chamada Quarta Revolução Industrial.


O problema é que a Revolução 4.0 não é apenas sobre robôs. É sobre robôs que sabem, por exemplo, que vão apresentar defeito em breve e solicitam reparos a outros robôs.


Ou seja, está colocada a possibilidade de um mundo em que as três leis de Asimov e os testes de Turing e Levesque fiquem obsoletos pela ausência da convivência que eles pressupõem.


Ou melhor, não é difícil imaginar robôs aplicando versões invertidas dos testes de Turing e Winograd para desmascarar e segregar quem tentasse disfarçar sua condição de ser humano.


E aquelas entre as pessoas que infligissem alguma das leis de Asimov adaptadas para proteger os robôs seriam “desativadas” imediatamente.


Leia também: Inteligência Artificial e estupidez capitalista

28 de setembro de 2017

A Comuna e os sovietes como surpresas revolucionárias

Um tema importante de “Sobre a Dualidade de Poderes”, de Lênin, são os sovietes. Ou seja, os conselhos de operários, camponeses e soldados.

Surgidos na Revolução de 1905, eles renascem com força total em 1917 para desafiar o governo provisório, controlado pela burguesia.

Segundo Lênin, os sovietes tinham como modelo a Comuna de Paris de 1871, cujos traços fundamentais eram os seguintes:

    1 - fonte do poder não está numa lei previamente discutida e aprovada pelo parlamento mas na iniciativa direta das massas populares partindo de baixo e em nível local (...);

    2 - substituição da polícia e do exército, como instituições separadas do povo e opostas ao povo, pelo armamento direto de todo o povo; com este poder a ordem pública é mantida pelos próprios operários e camponeses armados (...);

    3 - funcionalismo, a burocracia, ou é substituído pelo poder imediato do próprio povo ou, pelo menos, colocado sob um controle especial; seus membros tornam-se não só elegíveis mas exoneráveis à primeira exigência do povo, reduzem-se a simples representantes; transformam-se de camada privilegiada, com «lugarzinhos» de remuneração elevada, burguesa, em operários com uma “função especial”, cuja remuneração não exceda o salário normal de um bom operário.

Infelizmente, vários fatores inviabilizaram este caminho. Entre os principais, o feroz cerco do imperialismo capitalista e a resposta contrarrevolucionária do stalinismo a ele.

Mas há sempre o que aprender com processos revolucionários. Principalmente, quando derrotados.

Além disso, não foram as vanguardas que inventaram a Comuna ou os sovietes. Marx foi tão surpreendido pela primeira, quanto Lênin pelos segundos.

É preciso respeitar as surpresas revolucionárias. Elas sempre acontecem.

27 de setembro de 2017

Inteligência Artificial e estupidez capitalista

“Se está na cozinha, é uma mulher: como os algoritmos reforçam preconceitos” é o título de artigo de Javier Salas publicado no El País, em 23/09. Refere-se ao modo como um algoritmo descreve um homem calvo e usando calças enquanto cozinha.

A reportagem traz outras informações. Por exemplo:

...o caso de Tay, o robô inteligente projetado pela Microsoft para se integrar nas conversas do Twitter aprendendo com os demais usuários: a empresa precisou retirá-lo em menos de 24 horas porque começou a fazer apologia do nazismo, assediar outros tuiteiros e defender o muro de Trump.

Ou, ainda, quando o Google rotula pessoas negras como gorilas. E fotos de usuários negros do Flickr são classificadas como “chimpanzés”. Ou o software da Nikon adverte o fotógrafo de que alguém piscou quando o retratado tem traços asiáticos. O primeiro concurso de beleza julgado por computador classificou apenas uma pessoa de pele escura entre os 44 vencedores.

É assim que a Inteligência Artificial comprova que funciona à imagem e semelhança da sociedade que a vem criando.

O mesmo artigo cita Cathy O'Neil, matemática e autora do livro “Armas de Destruição Matemática”, ainda sem edição brasileira. “O software está fazendo seu trabalho. O problema é que os lucros acabam servindo como um substituto da verdade”, diz ela.

Como conclui o texto:

O Facebook deixa que seu algoritmo selecione e venda anúncios a “pessoas que odeiam os judeus” e “adolescentes vulneráveis” porque se enriquece desse jeito; se as pessoas lhes pagam por isso, não podem estar erradas.

Ou seja, não é qualquer estupidez. É aquela especificamente capitalista.

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26 de setembro de 2017

Dois poderes e muita confusão na Rússia de 1917

“Tome o poder, seu filho da puta, quando ele é oferecido a você!". Esta frase foi dita por um marinheiro russo a um dirigente do soviete de Petrogrado, em julho de 1917.

No mesmo período, dirigentes do soviete de Petrogrado foram cercados por uma multidão raivosa. Tropas leais ao governo provisório apareceram para salvá-los. Salvá-los de quê? De que fossem obrigados a tomar o poder!

Essas situações mostram toda a confusão daquele momento do processo revolucionário. Dizem respeito a um fenômeno político que Lênin explicou em um artigo publicado alguns meses antes: “Uma particularidade extremamente notável da nossa revolução consiste em que ela gerou uma dualidade de poderes”.

Segundo o texto, essa dualidade opunha de um lado o Governo Provisório, “da burguesia” e, de outro, um “governo, ainda fraco, embrionário, mas indubitavelmente existente de fato e em desenvolvimento: os sovietes de deputados operários e soldados”.

O que Lênin e os bolcheviques defendiam era basicamente a transferência do poder do primeiro para o segundo governo.

O problema é que a esquerda moderada era maioria dentro dos sovietes. E insistia em respeitar o governo provisório, apesar de seus membros se recusarem a cumprir as tarefas exigidas pela Revolução de Fevereiro. Especialmente, a saída da Rússia da Primeira Guerra e a reforma agrária.

Nessa confusão toda, era preciso defender o lema “Todo o poder aos sovietes”, mas também obter uma maioria revolucionária no interior deles. Manter o fogo revolucionário aceso nas cidades, mas garantir o apoio do campo no imenso império russo.

E ainda há quem diga que a Revolução de Outubro não passou de um golpe palaciano.

Leia também: O “Trem das Onze” de Lênin

25 de setembro de 2017

Sobre as ameaças de intervenção militar

Mais que justa toda a indignação manifestada em relação ao pronunciamento do general Mourão no sentido de que as Forças Armadas teriam um golpe militar preparado. Assim como são necessárias a denúncia e a resistência a qualquer coisa desse tipo.

Mas é importante atentar para o papel de outras instituições e setores do Estado na defesa dos interesses das classes dominantes. E neste aspecto, tudo indica que as Forças Armadas estão longe de desempenhar a mesma função que cumpriu nos períodos anterior e posterior ao golpe de 1964.

É mais ou menos sobre esse tema que falam algumas pílulas antigas.

É o caso da perigosa convergência de interesses entre militares, judiciário e os economistas do governo golpista, tema de No meio da confusão, o jogo a ser jogado é nas ruas, de maio de 2017.

Em relação aos apelos para que haja uma intervenção militar “constitucional”, Artigo 142: intervenção militar garantida, de dezembro de 2016, e Precisamos falar da República de Weimar, de outubro de 2016. Por fim, a mais antiga. Uma pílula de setembro de 2013: O poderoso partido dos quartéis.

As pílulas acima procuram demonstrar que as expectativas do general Mourão já vêm sendo atendidas há muito tempo. Aliás, a recente ocupação militar da Rocinha foi só mais uma das muitas ocorridas nas últimas décadas a demonstrar isso. 

Por outro lado, sabemos que quando se trata da defesa dos interesses das nossas classes dominantes, nada pode estar tão ruim que não possa piorar.

22 de setembro de 2017

Uma nota de rodapé de “O Capital”


“O Capital”, talvez, seja a primeira obra teórica a utilizar notas de rodapé exaustivamente. Imaginando que seu estudo seria recebido com grande hostilidade e ceticismo, Marx apoiou suas muitas afirmações polêmicas em inúmeras fontes bibliográficas, factuais e estatísticas.

Apesar de tornarem a leitura ainda mais difícil, algumas delas servem como pausas divertidas em meio às acrobacias dialéticas do autor. É o caso de uma nota do capítulo III.

A nota refere-se a um trecho que ironiza a crença burguesa de que o valor das mercadorias é definido pelas etiquetas de preço que seus vendedores colam nelas. Cita o relato de um tal Capitão Parry sobre os estranhos hábitos comerciais de nativos da costa ocidental da baía de Baffin:

“Nesse caso”, (ao intercambiar produtos) “(...) eles o lambiam” (o que lhes foi oferecido) “duas vezes com a língua, com o que pareciam considerar o negócio concluído satisfatoriamente”. Se a língua no norte, portanto, serve de órgão de apropriação, não é de admirar que no sul a barriga funcione como órgão de propriedade acumulada e que o cafre calcule a riqueza de um homem segundo a sua pança. Os cafres são tipos muito espertos, pois enquanto o relatório oficial inglês sobre a saúde, de 1864, deplora a falta de substâncias formadoras de gorduras em grande parte da classe trabalhadora, um certo dr. Harvey (...) no mesmo ano fez a sua fortuna por meio de receitas que prometiam livrar a burguesia e a aristocracia de seu excesso de gordura (1).

(1) Marx, Karl. “O Capital” (1867), “Capítulo III - O Dinheiro ou a Circulação das Mercadorias”.

Leia também: Para o capital, o pecado. Para nós, o castigo

21 de setembro de 2017

Uma distribuição de renda que interessa aos ricos


Causou certo barulho a divulgação de um estudo publicado no início de setembro pelo World Wealth Income Database, instituto dirigido por Thomas Piketty. Suas conclusões negam a ideia de que houve queda na desigualdade de renda no Brasil nas últimas décadas.

Segundo o levantamento, atualmente o 1% mais rico concentra 28% da renda nacional, equivalendo a um crescimento de 3% desde 2001. Além disso, de 2003 a 2008, o 0,1% mais rico da população se apropriou de 68% do crescimento da renda.

Mas o fato é que a pesquisa só reforça estudos anteriores feitos por brasileiros. Principalmente, por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. E todos contornam um problema metodológico que mascarava toda essa concentração de riqueza.

Os levantamentos anteriores utilizavam apenas dados das pesquisas domiciliares do IBGE. E os atuais usam informações de declarações de Imposto de Renda, que até pouco tempo atrás não estavam disponíveis.

Os números da Receita Federal não se limitam aos rendimentos, mas revelam também o tamanho do patrimônio, da riqueza. Quando se olha para eles, fica claro que houve redistribuição de renda, sim. Mas só entre os trabalhadores da faixa intermediária de renda para os de patamar inferior.

Os imensos ganhos de capital da minoria bilionária que atua no País ficavam escondidos por essa cortina de fumaça estatística. Acomodado a esta situação, um projeto político que logo seria tratado com enorme ingratidão por quem mais se beneficiou dela.

Petistas e lulistas dirão que a divulgação de informações como essas “faz o jogo da direita”. Deveriam admitir que muitos deles é que vêm fazendo este jogo há anos.  

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