Doses maiores

24 de agosto de 2017

Marx não fala de classe operária em O Capital

É inegável que as velozes e radicais mudanças por que passa o “mundo do trabalho” vêm causando grande confusão na esquerda. Mas muito dessa confusão poderia ser evitada se alguns conceitos fossem mais precisos.

É o caso da ideia de que a única parte da classe trabalhadora capaz de abalar o poder do capital seria a classe operária.

Esse equívoco costuma ser produto de algumas leituras distorcidas de “O Capital” a partir de erros de tradução. Nos 150 anos da publicação dessa grande obra de Karl Marx vale a pena destacar, por exemplo, as observações feitas pelo historiador Marcelo Badaró no artigo “A classe trabalhadora: uma abordagem contemporânea à luz domaterialismo histórico”:

Nas línguas neolatinas, tendemos muitas vezes a traduzir (...) a expressão alemã empregada por Marx, Arbeiterklasse, ou o correlato inglês working class, por classe operária. Tal tradução aparece muitas vezes associada à ideia de que o verdadeiro sujeito revolucionário é o operário industrial – trabalhador produtivo...

Este entendimento restritivo e equivocado é responsável por muitas crises da esquerda nas últimas décadas: “A classe operária desapareceu ou tornou-se residual. Portanto, adeus à revolução!” Conclusões desse tipo soam como música aos ouvidos dos capitalistas.

Enquanto isso, o capital arranca imensas taxas de lucro de milhões de trabalhadores de serviços, como teleatendimento e fast-food. Explora multidões em pequenas oficinas ou grandes fábricas que integram cadeias de produção espalhadas pelo planeta. Todas ligadas a grifes tão modernas quanto escravocratas, como Nike ou Apple.

Ou seja, o constante surgimento de candidatos ao papel de sujeito revolucionário estava previsto em O Capital. Mais importante, eles estão aí, na vida real.

Leia também: Quem pode desarmar a bomba-relógio do capital?

2 comentários:

  1. Olha, Sergio, estou muito longe de ser um revisionista, mas vejo com pouca importância se o Marx quis dizer no O Capital se era classe operária ou trabalhadora. Mesmo se disse classe operária tenho certeza que não ficaria nem um pouco chateado em mudar para trabalhadores dada as mudanças nas relações de produção e exploração. Como diz da classe operária ser residual, não resta dúvida, é um fato. Se existe alguém na esquerda que entenda que ela é a classe capaz de promover a revolução, me desculpem, estão muito equivocados. Quanto a conclusão da direita, de que não havendo classe operária não existiria mais o agente da revolução, portanto a revolução, é só mais uma das muitas bobagens que dizem e pensam (espero que continuem assim), e que acho nem devemos nos preocupar, pois com isso não conseguem sequer ter incidência nas massas, estas não estão preocupadas em agentes revolucionários.

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  2. Marião, o fato é que Marx nunca escreveu "classe operária". Não há controvérsia quanto a isso. Realmente, as massas não estão preocupadas com agentes revolucionários. Principalmente porque aqueles que se apresentam como tal geralmente são os menos indicados a desempenhar esse papel.

    Por outro lado, não se trata apenas de preocupação acadêmica. É disputa ideológica e por hegemonia. Faz muita diferença nos debates políticos, exatamente porque vários setores da esquerda se agarraram à essa tradução equivocada para justificar suas posições de capitulação.

    Por outro lado, Marx insistia no caráter estratégico de certos setores da classe trabalhadora. Por exemplo, alguns dias de greve de petroleiros ou de trabalhadores de telemarketing são muito mais nocivos para o sistema de dominação do que uma paralisação de meses no setor público. Ambos os movimentos de resistência são necessários, mas uns pesam muito mais que outros.

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