Doses maiores

13 de fevereiro de 2017

A revolta da guarda pretoriana no Espírito Santo

No Espírito Santo, já são 130 mortes atribuídas à greve da PM.

Apesar do quadro aterrador, o governador do estado é considerado um “sucesso” pela grande imprensa. Paulo Hartung seria um exemplo de “austeridade” nas contas públicas.

Também é elogiado pela queda nos níveis da criminalidade capixaba. Uma década atrás, o estado estava no topo da lista nacional.

O fato é que o Hartung diminuiu a criminalidade graças a muita repressão policial. É como se a PM local se transformasse em uma espécie de guarda pretoriana.

Na Roma Antiga, a guarda pretoriana era encarregada da segurança pessoal dos imperadores. Era a última barreira contra a ira dos inimigos, incluindo o ódio plebeu.

Mas não se trata de proteger Paulo Hartung, também conhecido como “Imperador PH”. A proteção volta-se principalmente para os interesses da elite que financiou a eleição dele.

O mesmo vale para outros governadores e os poderosos que representam. Mesmo no Rio de Janeiro, a política social mais celebrada do País resumiu-se a pesadas intervenções militares em favelas.

O problema é que na Roma Antiga, a guarda pretoriana também podia ser muito perigosa. Calígula, por exemplo, foi assassinado pela sua.

Por outro lado, os conflitos que explodiram no Espírito Santo são resultado de uma máquina de destruir gente que faria inveja àqueles a quem foi atribuída a destruição do Império Romano.

Na Roma Antiga, não foram os bárbaros os vencedores. Foi a barbárie alimentada pelos cegos interesses da classe que dominava o império.

Portanto, nessa confusão toda, talvez haja algo a aprender com os antigos romanos. Principalmente, com a revolta de escravos liderada por Spartacus.

Leia também: Artigo 142: intervenção militar garantida

10 de fevereiro de 2017

Yes, vocês podem! Não é, Trump?

Em 12/01, Reginaldo Moraes publicou “O círculo de fogo americano – dinheiro, poder, poder, dinheiro” no Jornal GGN. É mais um artigo sobre aspectos importantes da sociedade estadunidense. Neste, o assunto é o sistema político norte-americano.

O texto começa lembrando a enorme concentração de riqueza e poder nos Estados Unidos. Uma realidade em que cerca de 0,1% da população, ou umas 14 mil pessoas, ganham US$ 24 milhões, por ano. Aí, o texto pergunta em que gastaria tanto dinheiro essa elite minúscula. Em muito luxo, claro. Mas, há um item que não é apenas consumo, diz Moraes. É investimento:

Os 0,1% dos cidadãos mais ricos dos Estados Unidos são responsáveis por 85% do financiamento das campanhas políticas. Simples assim. Eles compram política. Compram campanhas políticas, compram leis, compram interpretações da lei (juízes e suas sentenças), compram vereadores, prefeitos, governadores, deputados, senadores, xerifes. O que vier eles traçam. Ah, sim, não vamos nos esquecer: eles também compram organizações especializadas em impedir ou desestimular o voto dos desgraçados. E assim, como têm muito dinheiro, compram a política. E comprando a política isso lhes garante mais dinheiro. O círculo se fecha. O único risco que correm é essa coisa ficar tão podre, mas tão podre, que a insatisfação saia por outros poros, como o crime, a violência aparentemente “gratuita”. Mas, para isso, bom, para isso eles compram mais leis, mais policiais, mais presídios. E mais pastores, radialistas e locutores de TV despejando lixo para seu respeitável público.

Eles, sim, podem encher o peito e dizer: “Yes, We can!” Podem tudo. Inclusive, fabricar merdas homéricas como Donald Trump.

9 de fevereiro de 2017

Trump e seus algoritmos suicidas

Estamos muito felizes que nossa abordagem revolucionária de comunicação dirigida por dados tenha desempenhado papel tão essencial na extraordinária vitória do presidente eleito Trump.

As palavras acima foram atribuídas a Alexander Nix, executivo britânico da Cambridge Analytica. Estão no artigo “Big Data: Toda democracia será manipulada?”, publicado no portal Caros Amigos, em 06/02.

Segundo o texto, a Analytica estaria por trás da campanha online de Trump, assim como de parte da campanha “Brexit”, na Inglaterra. Atualmente, Nix considera inúteis campanhas de marketing que tratam de forma uniforme grupos sociais inteiros.

Por exemplo, enviar as mesmas mensagens a todas as mulheres em razão do seu gênero, ou a “todos os afroamericanos por causa de sua raça.” Já não se fazem mais campanhas baseadas “em demografia”, diz ele. No lugar dela, entraram os algoritmos.

Com base neles, afirma Nix, fomos “capazes de formar um modelo para diagnosticar a personalidade de cada um dos adultos dos Estados Unidos.” Essa metodologia teria permitido à campanha de Trump concentrar-se em determinados segmentos, deixando outros de lado. Cabos eleitorais, por exemplo, sabiam quais casas visitar em busca de votos e quais ignorar.

A façanha teria sido possível graças à vinculação de certos produtos e mensagens de marketing a características da personalidade dos consumidores. Tudo capturado em tempo real por meio de redes como WhatsApp e Facebook, movimentações financeiras e compras.

Assusta. Mas é só mais um passo na captura definitiva da política institucional pelo poder econômico. É a democracia colonizada pelo capital e o consumidor no lugar do eleitor. No comando, um vendedor maluco oferecendo um test drive suicida ao planeta.

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8 de fevereiro de 2017

Tempos de intolerância libertadora

Em 22/01, o blog Esquerda On-Line publicou ”O fim da notícia mundial”, de Alex Callinicos. O tema é a eleição de Donald Trump. Sobre a situação criada a partir dela, merece destaque um trecho:

Não se deve permitir que as ideias nazistas se tornem respeitáveis. Aqueles que se expressam ou até mesmo se engajam com eles devem ser objeto do que Herbert Marcuse chamou de “intolerância libertadora”. A eleição de um racista como presidente dos Estados Unidos, e as figuras mais à direita que ele traz em sua comitiva encorajam todos os racistas, todos os policiais brancos que atiram desavisadamente em supostos suspeitos negros, todos os milicianos brancos nos EUA.

Por isso, a resistência das ruas estadunidenses precisa ganhar o apoio convicto das forças progressistas, diz ele.

Também é necessário seguir o exemplo da Coreia do Sul, em que gigantescas manifestações populares levaram ao impeachment da presidenta de direita, Park Geun-hye, responsável por casos comprovados de corrupção.

Outro exemplo vem da Romênia, onde centenas de milhares de manifestantes saíram às ruas e conseguiram derrubar um decreto parlamentar que tentava descriminalizar alguns casos de corrupção cometidos por políticos. 

Algo semelhante está sendo proposto pelo Congresso Nacional brasileiro. Um projeto-de-lei pretende considerar caixa 2, corrupção e outras irregularidades envolvendo eleições como casos a serem tratados exclusivamente dentro dos partidos, sem interferências externas.

Resta saber até que profundidade do poço teremos que cair para que reações populares surjam entre nós nas mesmas proporções e com direção semelhante. A da intolerância libertadora não apenas contra os corruptos, mas em relação ao conservadorismo que garante sua presença insuportável.

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7 de fevereiro de 2017

Bem-vindos aos Campos de Descarregamento

“Não Verás País Nenhum” é um livro que Ignácio de Loyola Brandão lançou em 1981. Uma ficção científica catastrofista que se passa no Brasil do começo do século 21.

O tom geral é pessimista e, muitas vezes, profético. As tendências já estavam lá, nos anos 1980, mas a obra imagina seu agravamento. Por exemplo: 

...chegou o Tempo Intolerável. Não dava mais para se expor ao sol. Você saía à rua, em alguns segundos tinha o rosto depilado, a pele descascava, a queimadura retorcia. A luz lambia como raio laser.

Não estamos muito longe de sofrer esse tipo de ameaça diante do avanço do aquecimento global. Além disso, a floresta amazônica transformou-se em uma nova “atração turística”. A América do Sul ganhou seu próprio Saara.

Há também os “civiltares”. Uma milícia “estranha e misteriosa” criada pelo governo, com total liberdade para reprimir. Lembra alguma coisa?

O livro cita ainda era da “Grande Locupletação, quando o país foi dividido, retalhado, entregue, vendido, explorado”. Mas esta parece ter sido uma fase de nossa história que jamais terminou.

Outro elemento que chama a atenção são os “Campos de Descarregamento”. Neles, “bonecos de plástico, espuma ou borracha factícia pendem de travessões. O sujeito tem o direito de socar, xingar, insultar, gritar, cuspir, fazer xixi sobre os bonecos”.

Essas práticas “aliviam tensões reprimidas, atenuam o estresse, diminuem o nervosismo, combatem dor de cabeça, fadiga, relaxam...”, explica o narrador.

Mas quais seriam os Campos de Descarregamento de nossos tempos? Que tal as “redes sociais”? É nela que escolhemos os "bonecos" sobre os quais podemos despejar todo o nosso ódio sem experimentar alívio algum.

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Das próteses mentais às viseiras cerebrais

6 de fevereiro de 2017

Com Trump, o terrorismo venceu. É fato

Trump gosta de torcer fatos. É um grande adepto da chamada “pós-verdade”, também conhecida como mentira.

Pois bem. Em nome do combate ao terrorismo, Trump mandou bloquear a entrada nos Estados Unidos de refugiados sírios e imigrantes de Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen. Fato.

Nenhum dos responsáveis por ataques terroristas nos EUA, nos últimos 15 anos, vem dos países que integram esta lista ou descende de imigrantes ou refugiados destes países. Fato.

Trump deixou de fora do bloqueio a Arábia Saudita. Fato. Dos 19 terroristas que participaram do 11 de Setembro 15 eram sauditas. Outro fato.

Até 2016, 250 americanos deixaram os Estados Unidos para se unir ao Estado Islâmico, segundo dados do governo.

80% das vítimas de ataques terroristas no mundo estão em cinco países: Iraque, Nigéria, Afeganistão, Paquistão, Síria e Somália. Ou seja, a grande maioria das vítimas são muçulmanas.

80% das mortes por terroristas no chamado Ocidente são resultado de ações de grupos de direita. Gente como a Ku-Klux-Klan, que apoiou a eleição de Trump. Fatos.

Pelo menos, 437 mil pessoas são vítimas de homicídio a cada ano, ou seja, 13 vezes mais do que o número de vítimas do terrorismo. Fato.

Depois que os Estados Unidos e aliados declararam “Guerra ao Terror”, o número de pessoas mortas por terrorismo passou de 3.329, em 2000, para 32.685, em 2014. Fato!

As medidas que Trump adota representam tudo o que os terroristas precisam para ampliar suas ações. Fato.

Com cada uma delas, Trump reforça um elemento fundamental para o terrorismo seguir com seu recrutamento de novos adeptos: o ódio. Farto.

Leia também: Pós-verdade ou pré-conceito?

3 de fevereiro de 2017

Racismo e machismo na conquista espacial

“Estrelas além do tempo” é um filme sobre três cientistas negras trabalhando na Nasa, em 1961. Baseada em fatos reais, a trama mostra as dificuldades de Katherine G. Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson para fazer valer seu enorme talento num dos maiores centros mundiais de inteligência e inovação.

Os conflitos raciais são evidentes numa época em que ainda havia banheiros separados para negros e brancos. Mas a produção também mostra todo o machismo por trás das dificuldades que homens negros sentiam para aceitar mulheres trabalhando na condição de cientistas de ponta.

Engana-se, porém, quem acha que isso é coisa de filme de época.

Em 01/02, Phillippe Watanabe publicou na Folha “Meninas de 6 anos já não se acham inteligentes e desistem de atividades”. Segundo a reportagem, nessa faixa etária, meninas tendem a se considerar muito menos inteligentes que os meninos. É o que diz levantamento realizado com 400 crianças entre cinco e sete anos, publicado na última edição da revista "Science". 

Outros estudos chegaram a resultados parecidos. Mas uma pesquisa publicada na revista "Child Development", em 2011, também descobriu que crianças entre seis e dez anos associavam matemática a homens. Por trás dessa conclusão, a ideia de que somente nas ciências exatas a genialidade humana pode se manifestar em seu mais alto grau.

O racismo e o machismo da NASA mostrados pelo filme provam o contrário. É perfeitamente possível que homens capazes de pisar na Lua carreguem na alma os valores morais de um troglodita. E o “grande passo” atribuído à humanidade vale muito pouco quando enormes parcelas dela continuam a ter sua dignidade pisoteada.

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Onde nascer negro é quase um crime

2 de fevereiro de 2017

As contas do Big Brother para a Previdência

No livro “1984”, de George Orwell, o Ministério da Verdade tem como uma de suas funções forjar algumas informações e destruir outras, conforme convenham ou não ao poder.

Nossos ministérios da Verdade fazem algo parecido em relação a muitas questões. Com valioso auxílio da mídia empresarial seu alvo predileto são as finanças públicas. É o caso do INSS, sigla que só aparece nos jornais acompanhada das palavras “déficit” e “rombo”. E quando os números não confirmam essa situação, pior para eles.

Por exemplo, a receita bruta da Previdência em 2014 foi de R$ 349 bilhões para pagar R$ 394 bilhões em benefícios. Déficit, portanto. Mas quando se incluem os mais de R$ 310 bilhões arrecadados da CSLL, Cofins e PIS-Pasep, o orçamento chega a R$ 686 bilhões. O déficit vira superávit com folga.

Outra informação daquelas que costumam ficar escondidas em algum canto dos jornais envolvem renúncias fiscais que afetam a Previdência.

Segundo a coluna de Monica Bergamo, de 31/01, na Folha, grandes empresários deixaram de pagar “cerca de R$ 43 bilhões”, em 2015. Valor que equivale a cerca de “30% do rombo do INSS”, escreve ela. Já no orçamento de 2016, foram R$ 69 bilhões de renúncia. Tudo devidamente aprovado e legalizado pelo Congresso.

Toda essa manipulação tem como objetivo aprovar uma reforma que pretende tirar mais direitos e entregar os recursos da Previdência ao mercado segurador. Algo que já aconteceu em vários países, como o Chile, com resultados desastrosos para os trabalhadores.

Tamanha competência na falsificação da realidade só não faria o Grande Irmão pedir aposentadoria porque as contas não fechariam.

Leia também: Camuflando as fraudes da previdência privada

1 de fevereiro de 2017

O “Bolsa-Família” dos trabalhadores estadunidenses

“A classe trabalhadora norte-americana: o gigante adormecido está se mexendo?” é um artigo de Reginaldo Moraes com informações bastante interessantes sobre a força de trabalho norte-americana.

Publicado em 17/12, no Jornal GGN, o texto mostra que os proletários estadunidenses continuam lá. Só mudaram de perfil. Concentram-se mais no setor de terciário e são chamados de ”fornecedores de serviço”. Uma designação que esconde grande desrespeito a direitos trabalhistas e enorme concentração de riqueza nas mãos da minoria que os explora.

É neste cenário que existe o “Food Stamp”. Uma ajuda federal instituída durante a grande depressão nos anos 1930 para comprar alimentos. Como diz o autor, “guardadas as muitas diferenças, uma espécie de Bolsa-Família ou Fome Zero norte-americano”.

O programa tinha sido desativado nos anos 1960. Voltou nos anos 1970, quando começou “a grande virada da desigualdade na sociedade norte-americana”. E, em 2014, “nada menos que 46 milhões faziam uso do Food Stamp para cobrir seus gastos de ‘mercearia’”.

A maioria dos que utilizam o Food Stamp trabalha, ”em tempo parcial ou integral, naquilo que consegue arrumar”. Muitos deles em empresas gigantes, como a Walmart. Uma delas, diz Moraes, criou um “site para ‘educar’ seus funcionários (ou terceirizados) para que fizessem orçamentos ‘inteligentes’”. E “teve a cara de pau de sugerir a eles que se candidatassem ao Food Stamp para completar a renda!”

Ao mesmo tempo, continua o artigo, há políticos americanos que atacam esses programas sociais como “atrativos para preguiçosos e aproveitadores”.

Pois é, nem na adoção do programa, nem nas críticas conservadoras a ele somos muito originais. E, provavelmente, nos resultados extremamente limitados, também.

Leia também: Donald Trump: tragédia nada acidental