Doses maiores

14 de setembro de 2014

A família brasileira segundo o olhar do inimigo

O último episódio de “A grande família” foi ao ar em 11/09, depois de 14 anos de exibição. O seriado da Globo sempre teve audiência acima da média, merecidamente. Elenco e tramas sempre foram muito competentes no ofício de divertir.

A primeira versão da série foi exibida entre 1972 e 1975. Em plena ditadura, o dramaturgo Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, criou a trama para a emissora. Vianinha era comunista e aproveitou o seriado para cutucar o regime dos generais.

A Globo já sabia disputar o jogo hegemônico. Apoiava a ditadura abertamente, mas se permitia ousadias como essa. Foi assim que aprendeu a manter alguma conexão com a vida cotidiana do povão. No caso do seriado de Vianinha, as dificuldades econômicas e trapalhadas de uma família pobre do subúrbio.

No seriado recém-encerrado, o tom é mais conformista e conservador. Despareceu um personagem de esquerda da versão original. E Tuco deixou de ser um hippie questionador para tornar-se apenas um vagabundo. Quase todos os personagens são microempresários. Assalariados, só alguns funcionários públicos.

No lugar da ditadura política, o pensamento único neoliberal. Sai a família proletária, entra a empreendedora.

Mas este último episódio apresentou um toque final malicioso. A simpática família fica sabendo que será representada em um seriado da Rede Globo. Atores famosos são chamados para interpretá-la. Entre eles, Tony Ramos e Gloria Pires. Daniel Filho aparece, em pessoa, para dirigir a produção.

Ou seja, a família média brasileira somente pode conhecer a si mesma por meio da telinha da Globo ou de suas poucas concorrentes. Hegemonia é isso aí. A gente se vê pelo olhar do inimigo. Plim-plim!

Leia um texto de 2007 sobre o seriado no blog Mídia Vigiada.

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