Doses maiores

3 de setembro de 2013

Até Frankenstein pode aprender a ler

Uma das preocupações do sociólogo Ricardo Antunes são as dificuldades do atual movimento sindical para se mobilizar. Entre os maiores obstáculos estaria a elevada automação do processo produtivo. Fenômeno que ele costuma caracterizar com a seguinte frase: “As plantas fabris agora são da ‘engenharia liofilizada’, que elimina substâncias vivas”.

A ideia corresponde ao conceito de trabalho morto, criado por Marx. No primeiro volume de “O Capital”, o revolucionário alemão dá este nome ao trabalho “cristalizado e acumulado nos meios de produção”. Usando um exemplo bem atual, em cada caixa eletrônico instalado jaz o trabalho de vários bancários.

Outra imagem que aparece na obra de Marx quanto a esse processo é a seguinte: “O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo chupa”.

Muitos autores marxistas gostam de usar esta metáfora. É o caso de Chris Harman com seu “Zombie Capitalism”, de 2009. Mas um deles levou-a tão a sério que escreveu um livro relacionando as várias criaturas fantásticas da modernidade à vocação macabra do capitalismo.

Em “Monsters of the Market” (2011), David McNally trata personagens como Frankenstein e os zumbis como analogias ao desmembramento do corpo humano exigido pela sociedade dominada pelo mercado. Os proprietários da força de trabalho são obrigados a vendê-la para sobreviver. Passam por uma espécie de mutilação ou de divórcio entre carne e espírito.

As consequências reais dessa situação são mais assustadoras que sua simbologia fictícia. Mas até Frankenstein tinha salvação. Na obra de Mary Shelley, a infeliz criatura se humaniza ao aprender a ler.

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