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30 de janeiro de 2017

Pós-verdade ou pré-conceito?

A “pós-verdade” está na moda. Ganhou até um verbete no Dicionário Oxford de 2016, que a define como produto de “circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influentes para determinar a opinião pública do que apelos a emoções e crenças pessoais".

O ecossistema perfeito para sua reprodução seria a internete.

Um exemplo de usuário dependente da “pós-verdade” seria Donald Trump, especialista em fazer afirmações sem fundamentos. Não por acaso, recentemente uma assessora dele chamou algumas mentiras divulgadas por seu governo de “fatos alternativos”.

Mas a verdade é que há pouca novidade nisso tudo. E um artigo do sociólogo Muniz Sodré ajuda a demonstrar isso. Em “Diversidade e diferença”, publicado na “Revista Científica de Información y Comunicación”, em 2006, ele afirmava:

Você vê alguém com um turbante na cabeça e pensa que já sabe tudo sobre ele, que é, por exemplo, árabe, logo, islamita, logo investido de determinada disposição frente ao mundo. O racismo apresenta-se geralmente como esse “saber automático” sobre o Outro. Os preconceitos funcionam assim na prática...

É este “saber automático” que congela a imagem ou a primeira impressão na forma de uma verdade absoluta. Impede que o entendimento da realidade se transforme em um conceito que possa se abrir ao debate. Fica preso no nível do pré-conceito.

É com base nesse mecanismo ideológico, por exemplo, que a mídia estadunidense há anos vem transformando turbantes em símbolos de terrorismo. São este e muitos outros “fatos alternativos” que permitiram a Trump chegar aonde chegou.

Portanto, a pós-verdade não passa do velho preconceito. E a grande mídia ainda é sua maior divulgadora, nas redes virtuais ou não.

Leia também: O saber automático por trás do preconceito

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