Doses maiores

29 de abril de 2016

Faltou o pato!

Não teve jeito, tivemos que voltar à zoopolítica. Impossível ignorar aquele enorme pato inflado que aparece nas manifestações da direita em favor do impeachment. Ele foi criado pela Fiesp em sua campanha “Não vamos pagar o pato”, referindo-se a propostas de aumento ou criação de impostos.

No documento que lançou a campanha, a federação dos patrões paulistas denuncia a “alta carga tributária” brasileira. Dá exemplos do peso dos impostos no preço de itens como “arroz e feijão (17,24%), frango (26,80%) e água mineral (37,44%)”. E dos R$ 3,50 da tarifa de ônibus, R$ 1,18 correspondiam a impostos.

Interessante o documento utilizar exatamente casos que afetam muito mais os pobres e trabalhadores em geral que os sócios da Fiesp.

Por exemplo, matéria publicada no portal InfoMoney em agosto de 2014, mostrava que os quase 80% da população brasileira que recebiam até três salários mínimos arcavam com 53% da arrecadação tributária total. Enquanto isso, quem recebia acima de 20 salários mínimos contribuía com apenas 7,3%.

Já a tributação sobre a propriedade respondia por 6% da arrecadação brasileira. Metade do arrecadado em países como Estados Unidos, Inglaterra, França e Argentina. Passagem de ônibus tem muito imposto embutido? Pois saiba que jatinho, helicóptero e iate não pagam IPVA.

Isso para não falar do R$ 1,460 trilhão sonegado pelos empresários junto ao fisco federal até outubro de 2015. O valor equivale a todo orçamento público de 2016. Bastaria o recebimento de 5% desse calote para cobrir o déficit fiscal do governo.  

É inegável. A Fiesp soube escolher muito bem o símbolo de sua campanha para nos representar.

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Para encerrar o ciclo zoopolítico, a anta

28 de abril de 2016

Para encerrar o ciclo zoopolítico, a anta

Concluindo o ciclo zoopolítico da semana, a anta. Afinal, ontem, 27/04, foi o Dia Mundial da Anta.

A injusta fama de burro do bicho seria motivada pelo fato de que, ao andar na mata, ele não desvia de sua trilha por nada, atropelando tudo e todos que estiverem no caminho.

Realmente, deste ponto de vista, o apelido é bastante adequado aos que não admitem ouvir qualquer contestação a suas convicções. Mesmo que estas não sejam mais do que um apanhado confuso de afirmações pescadas aqui e ali nos meios de comunicação e redes virtuais.

Alguém disse que na ditadura militar não havia corrupção! Então, não havia. A mídia afirma que a pena de morte diminui a criminalidade! Sim, com certeza. Há uma ditadura comunista vermelho-rubra ateia no País! Pura verdade. E a anta segue a picada, cabeça baixa e olhos no chão.

Esses indivíduos costumam ser, por exemplo, os que gritam a seus interlocutores que já não existe “direita e esquerda” na política. Mas essas mesmas pessoas ficam profundamente ofendidas se alguém insinua que suas posições podem ser de direita.

Como seu equivalente animal, não conseguem ouvir os que lhes proponham um caminho melhor que aquele que trilham. E se alguém entrar no caminho para avisar sobre problemas à frente, será pisoteado.

É assim que, muitas vezes, descobrem 
tarde demais que trotaram tanto para chegar apenas a uma picada sem fim.

Mas, as antas não são necessariamente irrecuperáveis. Lênin dizia que até o coração do camponês mais carola pode bater pela revolução. Haja leninismo pra enfrentar a fauna política dos dias atuais.

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A vez da toupeira

27 de abril de 2016

A vez da toupeira

... conhecemos bem a nossa velha amiga, a nossa velha toupeira, que vai escavando lentamente as raízes da sociedade burguesa para irromper de súbito à luz do dia: a Revolução.

A frase acima é de Karl Marx. Portanto, engana-se quem acha que o revolucionário alemão se considerava um profeta capaz de prever data e local da revolução socialista.

No máximo, Marx acreditava que a revolução teria maior chance de acontecer onde o capitalismo mais avançara na época. Na Europa, especialmente. Mas não arriscava afirmar nada além disso. Daí, sua preferência pela imagem do bicho subterrâneo.

Não à toa, a “velha amiga” viria a colocar a cabeça para fora em lugares tão inesperados como o Império Russo, a ancestral China e a caribenha Cuba.

Além disso, é importante entender que o bicho representa a militância cotidiana. Heroica, pouco gloriosa e voltada para a união das forças que lutam contra a exploração a partir dos porões da sociedade.

A metáfora não deixa dúvidas quanto ao fato de que ou a revolução será feita de baixo para cima ou não acontecerá. Os que estão nas torres e balcões palacianos, ou não tiram os olhos destes lugares, podem ser pateticamente surpreendidos.

Foi o que aconteceu em junho de 2013 e vem acontecendo antes e depois disso, com muitas lutas que formam novos militantes. Muitos deles, distantes da tradicional esquerda partidária e sindical.

Nada disso significa que estamos vivendo um processo revolucionário. Apenas mostra o quanto é indispensável participar do incansável trabalho da toupeira, única forma de barrar a contrarrevolução.

Contra o escorpião e o ornitorrinco, a velha e querida toupeira.

26 de abril de 2016

Para além do escorpião, o ornitorrinco

Concluir que não se deve confiar no escorpião burguês não basta para orientar a ação da esquerda revolucionária. É preciso conhecer o próprio escorpião em detalhes.

Mas o animal mais adequado para simbolizar nossa situação social talvez seja outro. É o ornitorrinco, como defende o sociólogo Francisco de Oliveira, em um ensaio de 2003, batizado com o nome do bicho.
 

A criatura em questão tem bico e pés de pato, o rabo chato de um castor, características reptilianas e, apesar de botar ovo, possui mamas.

A formação social brasileira, afirma Oliveira, seria parecida com essa verdadeira encruzilhada da evolução, apresentando a convivência entre elementos sociais e econômicos modernos e arcaicos.

Por isso, não seria a superação do atraso que destravaria o desenvolvimento. Ao contrário, em nossa sociedade “o chamado ‘moderno’ cresce e se alimenta da existência do ‘atrasado’”, diz o sociólogo.

O fenômeno lembra o conceito de “desenvolvimento desigual e combinado”, de Leon Trotsky. Um achado teórico que permite explicar por que relações e estruturas ultramodernas não apenas convivem como dependem da permanência do que há de mais retrógrado.

É só olhar para nossa estrutura agrária, praticamente a mesma desde as capitanias hereditárias, ou para a persistência de valores escravocratas. Sem falar em uma elite que admira padrões considerados de “primeiro mundo” e aplaude neandertais como Jair Bolsonaro.

Trata-se de uma abordagem importante para uma análise precisa da luta de classes no Brasil. Principalmente, para superar qualquer ilusão não apenas na burguesia, mas em instituições cujo caráter democrático foi soterrado pelo conservadorismo mais moderno.

Afinal, também o ornitorrinco tem um esporão venenoso.

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Entre a autocrítica e o escorpião

24 de abril de 2016

Entre a autocrítica e o escorpião

Lênin dizia que os maiores inimigos dos revolucionários são seus próprios erros. Afinal, quando a classe dominante nos impõe derrotas só está fazendo o que dela se espera.

Reclamar dos ataques feitos por nossos inimigos de classe é como responsabilizar o escorpião por picar quem tenta acariciá-lo.

Como não há seres humanos que não erram, não pode haver revolucionários infalíveis. Daí, a constante necessidade de aprender com os próprios equívocos.

Lênin era rigoroso e implacável na defesa de suas posições políticas. Mas não hesitava em reconhecer os erros que ele mesmo cometia.

A este reconhecimento os revolucionários chamam de autocrítica. Uma prática necessária, desde que não se transforme na “confissão” que antecede a “penitência” no altar do Comitê Central.

A autocrítica deveria ser um exercício tão constante quanto são frequentes nossos erros políticos. Mas vivemos um período em que ela é particularmente necessária.

Um dos maiores partidos de esquerda do mundo acumula erros enormes e terríveis. Um dos mais graves, o de confiar em seus inimigos. Outro, o de abandonar seus maiores aliados. 

Mas seria injusto exigir ao PT que faça autocrítica. Lembremos que a afirmação leninista se referia aos revolucionários.

Já a esquerda não petista, se continuar ignorando seus próprios enganos, jamais ultrapassará a nível do mero discurso em suas pretensões radicais.

A começar pela aposta prioritária e generalizada nas disputas para ocupar postos em governos, parlamentos e cúpulas sindicais.

Não foi apenas o PT que perdeu as multidões para a direita. As manifestações de junho de 2013 também fizeram grandes estragos entre nós.

Desde então, somente alguns poucos vêm tentando se afastar dos escorpiões.

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20 de abril de 2016

O espectro que nos ronda

“Um espectro ronda a Europa”, dizia o Manifesto Comunista, em 1848.

Era o comunismo, que assustava patrões e governantes. Mas como bons materialistas, Marx e Engels apresentaram uma origem muito concreta para esse fantasma. Era o capitalismo industrial, recém-chegado à maturidade.

Marx e Engels não gostavam de fazer previsões. Eles militavam junto aos revolucionários de seu tempo. Estudavam o mundo que conheciam e sobre ele escreviam. Testemunhavam uma sociedade cada vez mais dividida entre a minoria que controla os meios de produção e uma grande maioria privada deles.

Esta contradição diferenciava a sociedade capitalista de todas as outras e poderia levar os despossuídos a tomar os meios de produção da minoria para dividi-los entre si. Seria o comunismo.

Mas para que isso acontecesse, o capitalismo precisaria se espalhar para muito além da Europa. Deveria invadir todas as esferas da vida humana, ocupando não apenas as fábricas, o comércio, os serviços, a cultura, mas as relações pessoais.

Os “proletários do mundo todo” só poderiam se unir se estivessem realmente submetidos às relações capitalistas em todo o mundo. Algo que só começou a acontecer após a 2ª Guerra.

Hoje, são bilhões de escravizados, direta ou indiretamente, pela lógica capitalista. Ou seja, finalmente, o mundo se tornou europeu. Mas o fantasma que nos ronda é o do fascismo.

Por enquanto.

Há muita gente na luta anticapitalista no planeta todo. Jamais desapareceram as condições que fizeram surgir o espectro de 1848. Torná-lo novamente assustador é nosso primeiro desafio. Depois, é preciso arrancá-lo das trevas e trazê-lo para a luz do dia, sob a qual podem ser destruídas as piores assombrações.

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19 de abril de 2016

Nos governos e fora deles, governa o neoliberalismo

No início de abril, os filósofos franceses Pierre Dardot e Christian Laval vieram ao Brasil para o lançamento de seu livro “A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal”, pela Boitempo.

Segundo os autores, o neoliberalismo é uma “racionalidade global”, não somente um modelo econômico ou uma ideologia. Nessa condição, diz a apresentação da editora, ele:

...vem transformando profundamente as sociedades de forma subterrânea e difusa, estendendo seu sistema normativo a todas as relações sociais, sem deixar incólume nenhuma esfera da existência humana.

“A figura central dessa nova racionalidade, continua o texto, é o ‘sujeito empresarial’. Cada indivíduo é uma empresa que deve se gerir e um capital que deve se fazer frutificar”. Difícil discordar.

Seguidores do filósofo Michel Foucault, Dardot e Laval consideram a abordagem marxista limitada, apesar de a respeitarem. Mas limitada, mesmo, é a leitura que os autores fazem da crítica marxista ao capitalismo 
na introdução para a edição inglesa da obra.

De qualquer maneira, é uma importante contribuição para quem se recusa a ceder terreno no combate ao neoliberalismo e a restringir sua ação ao campo minado da institucionalidade.

Principalmente, quando os autores argumentam que, diante da lógica neoliberal, a escolha eleitoral entre forças de esquerda ou de direita faz pouca diferença. Em geral, mesmo sob governos supostamente socialistas, essa “racionalidade” não apenas se mantém como é reforçada.

Basta olhar para as experiências da grande maioria dos governos de esquerda no mundo para dar razão aos filósofos. Incluindo os governos petistas, que, muito antes de passarem pela agonia atual, já reagiam às pressões dos neoliberais com promessas de mais neoliberalismo.

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A pior das ressacas

18 de abril de 2016

A pior das ressacas

Cabeça estourando, boca seca, enjoo, mente confusa e o velho arrependimento pelos recorrentes abusos etílicos. Ressaca é duro.

Principalmente, se ajuda no mal-estar a lembrança de que todo esse desconforto foi causado por libações feitas em péssima companhia.

De nada adiantou se animar com o estabelecimento luxuoso, a bebida cara e importada e os garçons exclusivos. No final, levaram sua carteira e ainda deixaram a conta para pagar.

Bem feito. É isso que acontece com os que abandonam os botecos e trocam cachaça e churrasquinho por champanhe e caviar. A quem deixa suas amizades de longa data para meter-se entre a granfinagem, na ilusão de serem seus iguais.

A agitação nas ruas, locais de trabalho, escolas, ocupações trocada pelas reuniões no ar-condicionado com generais, grandes empresários, latifundiários e criminosos da política.

Paris, Londres, Xangai, Washington. Os melhores hotéis mesmo nos países mais pobres. Sempre brindando contratos bilionários para empreiteiros, latifundiários, banqueiros e empresários. Os mesmos que, na derradeira bebedeira, te abandonaram no chão, caído de bêbado, sob a risada e o desprezo dos funcionários do restaurante.

Mas o pior, mesmo, o que realmente causa revolta, é sofrerem de ressaca também aqueles que não colocaram uma só gota de álcool na boca.

Parabéns, PT! Nunca mais brindes para ti. Vais te embriagar
 cada vez mais sozinho.

Leia também: A amnésia política dos tribunais imorais

14 de abril de 2016

O amor e seu oposto, o Vaticano

Em meio a uma crise tão dura, que tal falar de amor?

Melhor, não. O documento recentemente lançado pelo Papa Francisco sobre o tema também tem causado muita confusão.

Segundo muita gente “Amoris laetitia” (“A alegria do amor”) estaria abrindo a Igreja aos divorciados, pregando tolerância cristã aos homossexuais etc. Não é bem assim.

O “New Ways Ministry”, grupo de defesa voltado à comunidade católica LGBT, por exemplo, afirma que ninguém esperava “uma bênção para o casamento entre pessoas do mesmo sexo”, mas uma “mensagem afirmativa a eles”. No lugar disso, “os mesmos comentários mal informados”.

Já Marco Politi, em reportagem publicada no jornal “Il Fatto Quotidiano”, em 12/04, esclarece que o documento papal é baseado no relatório final de uma reunião geral dos bispos católicos realizada em 2015. Mas resultou muito mais moderado que as posições aprovadas na conferência.

No caso do casamento gay, havia um “reconhecimento também do caráter positivo da vida de casal homossexual”. Mas na redação de Francisco, a condição homoerótica foi tratada de forma puramente negativa na seção “Iluminar crises, angústias e dificuldades”.

Além disso, todos os trechos da “Amoris laetitia” sobre homossexualidade já faziam parte de documentos do papa arquiconservador Bento 16.

Quanto aos divorciados, o relatório dos bispos admitia que eles “poderiam ter acesso à comunhão, satisfeitas certas condições”. Pelo documento papal, cada caso será analisado pelo sacerdote de plantão. Procedimento que já é prática comum.

As mansas palavras de Francisco não mudarão uma instituição ultraconservadora como o Vaticano. No lugar do respeito a toda forma de amor, permanece a vocação para ceder apenas a paixões alimentadas pela intolerância.

13 de abril de 2016

A amnésia política dos tribunais ilegítimos

No texto “Junho como enigma”, publicado no Blog Junho, Paulo Gajanigo discute a participação dos jovens na atual crise política. Segundo ele, “o protagonismo nos movimentos pró e contra o impeachment não é da juventude”.

É verdade. Principalmente, em relação aos jovens pobres que iniciaram as Jornadas de Junho lutando contra o aumento do preço das passagens e pela tarifa zero. Mas por que está ausente das ruas justamente uma geração militante capaz de radicalizar a democracia?

Certamente, porque nenhum dos lados os representa. Ainda que condene o golpismo do impeachment, esta geração de lutadores jamais sairia às ruas ao lado de quem a expulsou delas na base da porrada. Além disso, desde que se conhecem por gente, estes jovens acostumaram-se a ver o PT como representante máximo do poder.

Ao mesmo tempo, muitos dos atuais militantes novos mal sabem como foi terrível a ditadura empresarial-militar de 1964. Consequência do processo de “esquecimento” imposto por acordos políticos vergonhosos. Em compensação, ainda sofrem com a perseguição policial que cai sobre eles desde 2013.

Grande responsável por esse cenário é o próprio PT. José Genoino, por exemplo, participou da Guerrilha do Araguaia. Foi torturado e ficou preso por 5 anos nos anos 1970. Em 2011, como assessor especial do ministro da Defesa, opôs-se a qualquer tentativa de levar seus carrascos aos tribunais.

Outro caso é o da própria Dilma. Ficou famosa a foto em que os militares que a julgavam escondiam seus rostos. Hoje, graças à amnésia que os petistas ajudam a manter, a direita já não precisa se esconder para condenar a esquerda em tribunais igualmente ilegítimos.

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12 de abril de 2016

O golpe contra os serviços públicos

O funcionalismo público do País está em luta contra o Projeto de Lei 257/16. A medida foi proposta pelo governo Dilma e tem por objetivo a renegociação das dívidas dos estados e municípios. As exigências para rolar os débitos são um verdadeiro ataque aos serviços públicos.

Dentre as condições para a renegociação estão arrocho e congelamento dos salários do funcionalismo, privatizações, suspensão da política de valorização do salário mínimo, mais terceirizações, fim dos concursos, demissão de servidores concursados e aumento da contribuição previdenciária de servidores.

A grande imprensa atribui a enorme dívida de muitos dos estados e municípios a “gastanças”. Mas isso é apenas uma pequena parte da verdade. Uma CPI foi realizada em fevereiro de 2010, sobre a renegociação das dívidas entre Estados e União feita por meio da Lei 9.496, de 1997.

O relatório final da investigação mostra que as dívidas estaduais totalizavam R$ 105 bilhões, em 1998. Dez anos depois, por conta do acordo, o total das dívidas havia aumentado para R$ 320 bilhões.

Na verdade, a renegociação de 1997 não passou de um ajuste fiscal privatista, que piorou ainda mais a situação dos serviços públicos, em especial na saúde e educação públicas. Enquanto isso, o sistema financeiro lucrou bilhões, especulando com os juros de uma dívida que só faz crescer.

A atual proposta de renegociação dos débitos é uma continuação dessa política. O que foi iniciado pelo governo neoliberal dos tucanos, os governos petistas pretendem continuar com seu neoliberalismo discreto, mas tão eficiente quanto.

E tudo isso porque não vai ter golpe.

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11 de abril de 2016

Enterro da Nova República: presença obrigatória

Alguns analistas estão enxergando na atual crise o fim da chamada “Nova República”. Seria o esgotamento do pacto pelo alto que sucedeu à ditadura de 1964, livrando da Justiça os carrascos militares e mantendo na vida política grande parte de seus apoiadores.

Essencial nesse acordo sujo foi a manutenção de esquemas de corrupção sob os quais surgiram alguns grandes monopólios empresariais. Os mesmos que viriam a substituir os generais no controle das eleições, usando seu poder econômico.

Essa república nada republicana surgiu de um Colégio Eleitoral formado por 680 parlamentares. Foram eles que traíram definitivamente as esperanças dos milhões que lotaram as ruas pelas Diretas-Já.

O eleito foi Tancredo Neves, mas quem assumiu foi José Sarney. O latifundiário que comandava o estado do Maranhão graças aos militares passava a governar o País.

O único partido que se recusou a participar dessa farsa foi o PT, boicotando a votação. Posição que manteve firmemente, mesmo custando a perda de três de seus oito deputados federais.

Tamanho rigor só podia surgir de um partido construído nas fábricas, bairros, universidades, ocupações rurais e urbanas. Distante das disputas por gabinetes controlados pelos maiores criminosos do País.

Infelizmente, seguidas vitórias eleitorais fizeram predominar entre os petistas a ideia de que era possível mudar o sistema por dentro. Hoje, mais que nunca, fica claro que foi o sistema que virou o partido do avesso.

Assim, se o PT não presenciou o parto da Nova República, certamente estará em seu suposto enterro. Dentro do caixão.

As antigas parteiras com quem se reconciliou, no papel de seus coveiros.

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2 de abril de 2016

Sobre traições e perdões

Dizem que durante negociações entre China e União Soviética, nos anos 50, Deng Xiaoping se encontrou com Kruschev, e este, orgulhoso de sua origem operária, teria debochado da infância abastada do chinês. Ao que Deng teria respondido: "Pois é, ambos acabamos traindo nossas classes".

Se o rico fazendeiro João Goulart fosse vivo e se encontrasse com Lula, um diálogo parecido poderia acontecer. Não tanto pelo pouco que Goulart tentou realizar e não deixaram, mas pelo que Lula jamais pensou fazer.

Afinal, o próprio ex-presidente gosta de dizer que os bancos nunca ganharam tanto quanto durante os governos petistas. Até pouco tempo, tanta boa vontade parecia ser suficiente para manter o setor financeiro silencioso em relação ao impeachment de Dilma. Recentemente, porém, Roberto Setúbal, do Itaú, declarou apoio ao afastamento da presidenta.

Outro setor extremamente favorecido pelo PT à frente do Executivo foi o agronegócio. Mesmo assim, a bancada ruralista se manifestou favoravelmente ao impeachment. Ao mesmo tempo, a grande líder dos latifundiários, a ministra Katia Abreu, diz que não sai do governo.

Nesses casos, quem estaria traindo quem? Do ponto de vista dos interesses de classe, nem Setúbal, nem Kátia. Afinal, permanecendo Dilma ou não, muito provavelmente banqueiros, ruralistas e outros setores poderosos continuarão contando com a confiança que não hesitam em trair quando preciso.

Aos petistas restaria citar os versos tornados famosos por Beth Carvalho: “Você pagou com traição, a quem sempre lhe deu a mão”.

Já os governos petistas poderiam receber de seus aliados prioritários o verso final de uma bela canção de Chico Buarque, que diz: "Te perdoo por te trair".

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