Doses maiores

26 de setembro de 2016

Nossa caravana passa e o eleitor assiste

Em 1973, Luis Fernando Verissimo publicou o conto “O Popular”. Veja, abaixo, um exemplo de como se comportava o personagem principal da narrativa:

Os jornais mostravam tanques na Cinelândia protegidos por soldados de baioneta calada e lá estava o Popular, com um embrulho embaixo do braço, examinando as correias de um dos tanques. Pancadaria na Avenida? Corria polícia, corria manifestante, corria todo mundo, menos o Popular. O Popular assistia. Cheguei a imaginar, certa vez, uma série de cartuns em que o Popular aparecia assistindo ao Descobrimento do Brasil, à Primeira Missa, ao Grito da Independência, à Proclamação da República...

Aí vêm as eleições municipais. No Rio de Janeiro, por exemplo, 40% dos eleitores podem mudar seu voto na última hora. Ninguém sabe direito em que direção. Em São Paulo, o PT não consegue entender por que seu prefeito está nas últimas colocações.

Talvez, se substituíssemos o “Popular” de Verissimo pelo “Eleitor” alguma coisa se esclarecesse. O fato é que o eleitor médio é uma abstração que vota a cada dois anos. No máximo, elege alguém que corresponde vagamente a suas expectativas. Depois disso, a política se mantém distante de sua vida.

A verdade é que a democracia contemporânea separa o trabalhador do cidadão, mesmo que sejam a mesma pessoa. Nesta condição, o eleitor continua a ver passarem diante de si cortejos dos quais não participa. Do “Descobrimento do Brasil” à “Proclamação da República”.

Enquanto nós, da esquerda, insistirmos em enxergar no Eleitor a inteireza do Popular, continuaremos a fazer parte, mesmo sem querer, das caravanas que passam ao largo de sua vida. 

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