Doses maiores

7 de junho de 2016

A dieta sem graça do velociraptor

Imagine um drone equipado com uma câmera sobrevoando a Europa na Idade Média. Mais especificamente, focalizando uma típica família camponesa na hora da refeição. O que ela mostraria sobre a mesa seria mingau de trigo. Sem sal, sem cor, sem graça.

Agora, o drone se desloca rapidamente pelo Oceano Atlântico. Chega ao que é hoje a Amazônia brasileira, num lugar chamado Hatahara. Trata-se de um complexo de aldeias com 20 hectares de área total, que existiu entre os séculos 8 e 13.

O local é um exemplo do que Reinaldo José Lopes chamou de “A civilização do pescado”, em artigo publicado na Folha, em 22/05. O texto refere-se a descobertas de uma equipe de arqueólogos coordenados por Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.

Ele e seus colegas descobriram que a dieta dos habitantes locais era composta por 36 tipos de peixes, além de tartarugas, jacarés e sucuris. Uma comunidade capaz de explorar ao máximo os recursos fluviais, sem comprometer sua sustentabilidade, diz o artigo.

Por fim, o drone voltaria aos nossos dias para mostrar nossas mesas. Certamente, as imagens revelariam uma alimentação cuja diversidade deve-se apenas às embalagens. No interior delas, uma ração cada vez mais baseada em milho e soja transgênicos, impregnada de agrotóxicos e outras químicas.

Não à toa, aquela comida sem graça ou sal predominava num lugar que viria a parir o capitalismo. A Europa do mingau tornou-se uma civilização em que impera a dieta insossa do velociraptor neoliberal, símbolo de uma humanidade tão especializada e eficiente quanto cultural e mentalmente desnutrida.

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