Doses maiores

30 de junho de 2015

Velociraptor! Mas pode chamar de Estado Islâmico

Em cartaz, Jurassic World!

Em duas versões. A fictícia mostra como temíveis dinossauros “velociraptors” criados em cativeiro são colocados para enfrentar uma outra espécie jurássica que saiu do controle. O problema é que quando as feras se encontram, descobrem que são parentes. Depois de trocar grunhidos uns com os outros, predadores e presa se unem contra as pessoas que os colocaram em confronto.

Já a versão não-fictícia do filme, apareceu publicada no jornal britânico "The Guardian", em 03/06. Matéria de Seumas Milne revela problemas enfrentados pela Justiça inglesa em processo contra o sueco Bherlin Gildo, acusado de praticar atos terroristas na Síria como membro do Estado Islâmico.

O impasse surgiu quando foram encontradas provas de que a organização a que o réu pertence é financiada e treinada pelo governo britânico. Ou seja, o mesmo Estado que julga um terrorista de um lado, financia suas atividades, de outro.

Algo parecido acontece em relação aos Estados Unidos, cujas tropas apoiam os Estado Islâmico na Síria e bombardeiam suas tropas fora dela. De um lado, o imperialismo quer derrubar a ditadura de Assad. De outro, o Estado Islâmico atrapalha os planos ianques para o Oriente Médio. Enquanto isso, os “jihadistas” continuam livres para praticar suas barbaridades.

Outro caso semelhante é o da Al Qaeda, que começou a surgir quando seus membros foram financiados pelos americanos nos anos 1980 para combater as tropas invasoras soviéticas no Afeganistão. Duas décadas depois, seriam responsáveis pela destruição das torres gêmeas em Nova York.

É Jurassic World, mas pode chamar de Guerra ao Terrorismo. É velociraptor, mas também atende pelo nome de Estado Islâmico.

Leia também: Se Maomé não vai à luta de classes...

29 de junho de 2015

Se a luta de classes não vai a Maomé...

Em resposta a ações atribuídas a terroristas muçulmanos na Tunísia, Kuwait e França, Estados Unidos, Inglaterra e França elevam alerta contra o terrorismo, dizem os jornais.

Prepara-se nova onda de medidas para endurecer a repressão e aumentar a vigilância estatais. Seus alvos são tanto as populações muçulmanas, como os movimentos anticapitalistas. Ambos cada vez mais tratados como terroristas. 

O pretexto que tenta legitimar tais ações é “o combate ao terrorismo”. A verdade por trás da intenção é mais terror por parte de países imperialistas, como Estados Unidos e Inglaterra, e seus satélites, como Israel e Arábia Saudita.

A resposta das forças populares anti-imperialistas e da esquerda em geral deve partir do princípio que Reza Aslan defendeu em seu
livro “No god but God”. Nesta obra, o autor diz que não há um choque entre Ocidente e Islamismo. Ao contrário, é dentro do Islã que a batalha decisiva vem sendo travada.

De um lado, aqueles que distorcem a fé islâmica para manter no poder minorias tirânicas e aliadas do imperialismo. De outro, forças que lutam para derrotar a minoria fanática do islamismo que fornece os pretextos que a ordem capitalista utiliza para espalhar seu terror.

As armas desta batalha podem ser os fuzis, como na resistência curda ao Estado Islâmico. Mas, na maioria dos casos, é a luta política e social que pode ser decisiva. E as forças islâmicas anticapitalistas são as únicas capazes de derrotar o fanatismo muçulmano, jamais o fundamentalismo imperialista.

Ou seja, se a luta de classes não vai a Maomé, Maomé precisa ir à luta de classes.

Leia também:
As origens igualitárias da fé muçulmana


25 de junho de 2015

Privatização não é coisa pra português de padaria

No final dos anos 1940, Assis Chateaubriand possuía 30 jornais e revistas, 15 rádios, e uma editora.

Mas grande parte deste patrimônio foi adquirido sem dinheiro. Dizem que Chateaubriand costumava afirmar: “Comprar com dinheiro qualquer português de padaria compra. A competência está em comprar sem dinheiro”.

A “competência” a que se referia o magnata podia ser traduzida por amigos poderosos acobertando as piores chantagens.

Quem ousasse cobrar de Chateaubriand o dinheiro devido passava a ser imediatamente caluniado em seus jornais. Sob a proteção de autoridades como o próprio ditador Getúlio Vargas, só restava ao credor aceitar o calote.

Passadas muitas décadas, os grandes empresários do País continuam a fazer negócios sem dinheiro. Mas, desde as privatizações tucanas, grande parte dos recursos vêm saindo dos bolsos dos trabalhadores por meio do BNDES. Sob os governos petistas, não é diferente.

É o que se deduz do que publicou Murilo Rodrigues Alves no Estadão, em 23/06. Segundo a reportagem, o banco estatal vai financiar até 70% dos investimentos previstos no pacote das concessões que o governo acaba de anunciar. Boa parte dessa verba vem do FGTS.

São R$ 10 bilhões para financiar projetos como a Hidrelétrica de Santo Antônio, a usina nuclear Angra 3, os aeroportos de Galeão e Guarulhos e ferrovias da Vale. Odebrecht e Andrade Gutierrez estão entre as empreiteiras beneficiadas.

No mundo todo, o Estado está a serviço dos grandes proprietários de capital. É uma lei da ditadura do mercado. Mas em alguns lugares, como aqui, esta subordinação acontece de forma escancarada.

E que se danem os “portugueses de padaria” e nós, seus humildes 
fregueses.

Leia também: Os campeões dos crimes com causa e sem punição

Suicídio indígena, branco e ocidental

Os assassinatos de indígenas no Brasil aumentaram 42% no ano passado. Já seria uma tragédia de grandes proporções, não fosse agravada pelos suicídios, que atingem estes povos como epidemia. 

Apesar de representarem 0,4 % da população, os indígenas são responsáveis por 1% dos suicídios do País. O Mapa da Violência do Ministério da Saúde de 2014 mostra que o índice geral no Brasil é de 5,3 suicídios por 100 mil habitantes. Em alguns municípios com população indígena, esta proporção fica acima de 30.

Os estudiosos deduzem que as principais causas do triste fenômeno estão associadas tanto ao racismo, quanto aos problemas com a constante perda de terras para o agronegócio e grandes obras.

Será, então, que os indígenas estariam enfrentando uma crise muito particular? Não é o que mostram números do livro
“Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, de Yuval Harari. O autor constata a diminuição das mortes violentas ao longo da história humana, ao mesmo tempo que a relativiza.

Segundo Harari, em 2002,
dos 57 milhões de mortos no planeta, apenas 172 mil pessoas morreram em guerras e 569 mil foram vítimas de crimes violentos. Por outro lado, 873 mil cometeram suicídio.

Portanto, parece difícil negar que há uma crise civilizacional. Que ela esteja limitada a populações cujos modos de vida entram em choque com as condições desumanas da sociedade capitalista, já não é tão certo.

Se a morte voluntária é um indicador de desespero social, estamos muito mais próximos dos indígenas do que gostariam de admitir os que desprezam suas culturas a partir de uma posição de pretensa superioridade da civilização branca e ocidental.

Leia também: Nós, os suicidas desavisados


23 de junho de 2015

O ambientalismo poluído do Vaticano

     Mick  Stevens
“Laudato Si”, a mais recente bula papal, vem causando sensação. A começar pelos contratos que a Editora Vaticana assinou com 11 editoras. O documento em defesa do meio ambiente pode ser lido na internet, mas muitos preferem a cópia papel, apesar de seu impacto ecológico.

Ironias à parte, o decreto tem sido tratado como uma revolução na tradição católica. Artigo de John L. Allen Jr., publicado pela IHU-Online em 19/06, mostra que não é bem assim.

Segundo o texto, documentos semelhantes já vêm sendo publicados pelo Vaticano há décadas. Em 1971, Paulo 6º editou a “Octogesima Adveniens”, primeiro texto a conter um parágrafo inteiro dedicado ao meio ambiente.

Em 1988, João Paulo 2º defendeu “um meio ambiente natural seguro e saudável” como um direito no mesmo nível do direito a saúde, educação e dignidade. Convocava, ainda, a humanidade a arrepender-se pelos pecados cometidos contra a natureza.

Em 2007, Bento 16 anunciou a “Floresta Ambiental Vaticana”, criada na Hungria para compensar as emissões anuais de CO2 do Vaticano. Era a colaboração papal para a farsa do mercado de carbono.

Mas Allen Jr alerta para aquilo que realmente importa na iniciativa de Francisco. A bula transforma a Igreja Católica no principal representante moral no combate ao aquecimento global e suas consequências.

De fato, os discursos oficiais sobre destruição ambiental costumam citar apenas seus custos econômicos. A iniciativa papal diferencia-se por discutir valores éticos. O problema é que em questões morais a cúpula católica é de um conservadorismo extremo.

Muito mais provável é o Vaticano poluir suas recentes posturas ambientalmente limpas com a sujeira de suas doutrinas fundamentalistas.

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O Papa Maquiavel

22 de junho de 2015

O Papa Maquiavel

Seria interessante explorar as possibilidades dramatúrgicas do processo de condução do cardeal Bergoglio à condição de Papa. Poderia resultar em filme, peça, livro...

É só imaginar o futuro Francisco 1o circulando entre os cardeais no conclave decisivo. Um pequeno grupo o acompanha argumentando mais ou menos assim:

Vocês querem tirar esta enorme e antiguíssima instituição do ostracismo? Deter a onda de desprezo que ela provoca no mundo todo, mesmo entre seus fiéis?

Pretendem impedir que a maior igreja do Ocidente seja arrastada pela crise civilizatória que começou com a grande depressão econômica de 2008?

Ambicionam que o Vaticano volte a ser ouvido com respeito, não pela hipocrisia dos governos, mas pela esperança de vastas parcelas da população do planeta?

Vocês realmente acham que vamos nos desfazer da pecha de abusadores de crianças e príncipes religiosos corruptos nos apoiando na infabilidade divina? Nos escondendo das grandes questões dos dias atuais por trás de velhas bulas do passado?

Desculpem, mas achamos que vocês estão sem saída. Temos certeza de que esse argentino ousado aqui pode dar um jeito nisso tudo uma vez consagrado.

Poderíamos dizer que ele será nosso Obama, Lula, Kirchner... Mas, calma, respirem aliviados porque ele será nosso Maquiavel.

De qualquer maneira, ou aceitam isso, ou podem ir se acostumando a longos anos de insignificância política, fiéis cada vez mais raros e diligências judiciais batendo em nossas portas.

Dois anos depois, alguns daqueles cardeais podem ter se arrependido de seu voto. Mas a maioria, com certeza, respira aliviada do alto de seu poder intacto. Por enquanto, o final do drama seria feliz. Só para eles.

Leia também: Papa Francisco, o leopardo

21 de junho de 2015

Poços para sepultar a infância

No Congresso, avança a proposta de redução da maioridade penal. Agora, com a colaboração do governo de plantão, que defende proposta no mesmo sentido, concebida juntamente com a oposição conservadora.

Enquanto isso, em 20/06, no Globo, reportagem de Renata Mariz revelava o estado calamitoso das unidades de internação de crianças e adolescentes pelo país. Muitas delas com superlotação e misturando menores com portes físicos e tipos de infração diferentes, o que é proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Na mesma edição do Globo,
Raphael Kapa publicou matéria sobre a descoberta de 450 ossadas de bebês enterradas há milhares de anos em Atenas. Estavam em um poço, muitas delas com sinais de violência, inclusive sexual.

Segundo Susan Rotroff, professora da Universidade de Washington e uma das responsáveis pelo estudo das ossadas, a mortalidade materna era muito grande na antiguidade grega. Por isso, evitava-se o apego exagerado aos pequenos. Além disso, crianças não saudáveis eram um grande fardo, sendo muitas vezes abandonadas. Na verdade, diz ela:

... a infância não era algo tão idealizado quanto é em nossa sociedade. A pesquisa também mostra a relação desses atenienses não só com a morte, mas com o próprio espaço público. Esse poço estava no centro cívico, perto de residências e do comércio. Isso mostra que essas crianças não eram vistas como pessoas, propriamente, uma vez que não passaram pelos mecanismos de integração à família e à cidade.

O trecho acima não está distante de valer também para uma sociedade cujos setores dirigentes buscam condenar grande parte de sua infância a sepultamentos muito semelhantes. Os poços, nós já temos.

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18 de junho de 2015

O que temos a aprender com Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues nunca escondeu seu conservadorismo. Anticomunista visceral, apoiou entusiasticamente o golpe militar de 1964.

Mas o genial escritor soube como poucos mostrar toda a hipocrisia da classe média brasileira. Demolia com seus artigos, crônicas e peças a mentalidade desse setor social que esconde por trás de seu moralismo seus próprios desejos inconfessáveis.

Nelson arrancava aplausos de plateias que não notavam serem elas próprias o alvo do ridículo e do desprezo de suas peças.

Obras como “Álbum de Família”, “O Beijo no Asfalto” e “Vestido de Noiva” abordam temas como o incesto, a homossexualidade e a competição desleal, que são ocultados pela falsidade moral de quem se julga superior à plebe e olha invejoso e submisso para os ricos.

E a inteligência ácida do dramaturgo não ficava apenas no terreno dos costumes. A denúncia do racismo, por exemplo, era uma de suas maiores frentes de batalha. Ele foi uma das primeiras celebridades a dizer que a “
vida do preto brasileiro é toda tecida de humilhações” e a nos considerar um dos povos “mais racistas do mundo”.

Enquanto isso, a maioria dos dirigentes comunistas ignorava a importância da luta contra a opressão racial para derrotar o capitalismo. Impunha regras moralistas a seus liderados, vigiando seus hábitos, sua vida sexual, sacralizando a vida familiar baseada no machismo.

O resultado é que, hoje, assistimos 
em estado de semiparalisia à ofensiva de fanáticos religiosos e conservadores em geral contra homossexuais, mulheres, jovens, artistas. Não é que tenhamos muito a aprender com Nelson Rodrigues. Mas o pouco que sua obra pode nos ensinar já é demasiado para nossa incompetência revolucionária.

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A vocação conservadora da classe média brasileira

A vocação conservadora da classe média brasileira

Politicamente, a classe média costuma ser objeto do ódio da esquerda e de defesa interesseira pela direita. Mas, sociologicamente, aversão ou bajulação em nada ajudam a esclarecer esse conceito, sempre tão complicado.

Em um trecho do ensaio de crítica literária “Ao vencedor as batatas”, Roberto Schwarz dá algumas pistas para compreender o lugar da classe média na formação da estrutura de classes brasileira:

Esquematizando, pode-se dizer que a colonização produziu, com base no monopólio da terra, três classes de população: o latifundiário, o escravo e o ‘homem livre’, na verdade dependente (...). Nem proprietários nem proletários, seu acesso à vida social e a seus bens depende materialmente do favor, indireto ou direto, de um grande. (...) O favor é, portanto, o mecanismo através do qual se reproduz uma das grandes classes da sociedade, envolvendo também outra, a dos que têm. Note-se ainda que entre estas duas classes é que irá acontecer a vida ideológica, regida, em consequência, por este mesmo mecanismo. Assim, com mil formas e nomes, o favor atravessou e afetou no conjunto a existência nacional, ressalvada sempre a relação produtiva de base, esta assegurada pela força. (...) O favor é a nossa mediação quase universal – e sendo mais simpático do que o nexo escravista, a outra relação que a colônia nos legara, é compreensível que os escritores tenham baseado nele a sua interpretação do Brasil, involuntariamente disfarçando a violência, que sempre reinou na esfera da produção.

De fato, grande parte de nossa classe média mostra-se prisioneira dessa mistura de favor e violência, herança escravista e produção sob coação. Uma síntese profundamente conservadora e antipopular.

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16 de junho de 2015

O PT no lado escuro

É famosa a abordagem dialética da relação entre senhor e escravo de Hegel, segundo a qual nenhum dos dois se realiza como ser humano pleno.

Se o escravo é prisioneiro, a liberdade do senhor está limitada pela necessidade de manter vigilância constante sobre seu cativo.

O único que pode romper essa relação é o escravo, ao lutar por sua liberdade. Já o senhor, exatamente por sua condição de dominador, está condenado a manter seu jugo.

O primeiro olha para a claridade. O segundo, para as trevas.

É esta força emancipadora que torna as forças de esquerda vocacionadas para a luz.

O PT surgiu sob esse brilho. Nasceu das lutas contra a escuridão das leis da ditadura empresarial-militar. Foi parido na condição de péssimo exemplo para a educação moral e cívica dos generais.

O PT não nasceu como reserva ética de uma política institucional que sempre foi suja e excludente. Quando se tornou isso, abandonou a ética classista e libertária que guiou seus primeiros passos.

O PT não surgiu como exemplo de governança eficiente, honesta e voltada para os mais pobres. Ganhou este perfil à medida em que foi assumindo a gerência eficiente de uma secular máquina produtora de injustiça social.

Vocações não são inevitáveis. São possibilidades. E as que se abriram durante a trajetória petista foram sendo abandonadas, uma a uma. A última delas pelo 5º congresso do partido.

Havia quem ainda enxergasse alguns vestígios luminosos da bonita aurora petista. Mas a penumbra fechou-se pesadamente e o escuro finalmente engoliu o PT.

O pior é que as
trevas ameaçam a todos, escravos e senhores.

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15 de junho de 2015

O PT no abismo

Recente pesquisa da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, apresentou conclusões preocupantes.

A primeira delas era previsível. A confiança dos brasileiros na polícia é menor entre negros, pardos e indígenas. Ela chega a 30%, contra 37% dos brancos. A diferença só poderia surpreender por não ser maior.

Em comparação com 2014, a confiança no Judiciário caiu de 30% para 25%, no governo federal de 29% para 19% e nos partidos políticos de 7% para 5%. Ministério Público (45%) e Congresso Nacional (15%) ficaram estáveis.

Aumentou a credibilidade nas Forças Armadas (de 64% para 68%), na Igreja Católica (de 54% para 57%), nas emissoras de TV (de 31% para 34%) e na polícia (de 30% para 33%).

Ou seja, o núcleo duro e repressivo do Estado e nos aparelhos da ideologia dominante mais poderosos andam ganhando moral. A exceção é o Judiciário, que não vem conseguindo disfarçar sua condição de antro conservador.

Enquanto isso, cargo eletivos, como os dos governos, ou forças que deveriam estar mais sujeitos à influência popular, como os partidos, afundam em sua insignificância estrutural. Reduzidas cada vez mais à condição de alas de um Estado cada vez mais parecido ao que Marx caracterizou como comitê de administração dos negócios da burguesia.

Para agravar, o 5º Congresso do PT aprovou resoluções totalmente rendidas a esta situação. Como lembraram alguns, foi a primeira vez que o partido traiu promessas que já eram, em si mesmas, vergonhosamente feitas sob encomenda para se manter no governo.

Há petistas que pensam estar apenas mirando o abismo, mas já o estão habitando.

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Os partidos como máquinas burocráticas despolitizadas

14 de junho de 2015

Os partidos como máquinas burocráticas despolitizadas


Quando o Partido exerce o poder, torna-se o Estado da ordem, o qual cada vez mais se transforma num aparato despolitizado, uma máquina burocrática, e não exerce mais a função de estimular ideias e práticas (...). Isto implica que o Partido não cumpre mais sua função política de outrora, torna-se apenas um aparato do Estado. (...) não possui mais suas próprias convicções político sociais, podendo ter apenas uma relação estrutural e funcionalista com a manutenção do Estado.

As palavras acima são do artigo “Política despolitizada do oriente ao ocidente”, de Wang Hui, professor da universidade chinesa de Qinghua, publicada na revista
Leste Vermelho. Poderiam referir-se ao Partido dos Trabalhadores, mas seu autor pretende que este seja um traço comum a todos os partidos do mundo.

Ainda que
a afirmação soe exagerada, sem dúvida, retrata a realidade de grande parte dos sistemas políticos do planeta. Daí, a enorme desilusão em relação às representações partidárias, que se manifesta em formas de luta direta em vários cantos do mundo.

Quanto ao PT, sua militância vinha defendendo abandonar o programa econômico que seu próprio governo vem implementando. Mas encerrado seu 5º Congresso Nacional, nenhuma resolução foi adotada nesse sentido.

Apesar das paixões envolvidas, e da justa indignação das forças de esquerda com os rumos petistas, o fenômeno pode ser olhado como mais uma consequência da esterilização da política pela economia. Algo que o capitalismo pressupõe, mas que sua fase neoliberal radicaliza.

Ou seja, as palavras de Wang parecem servir também a toda a esquerda partidária nacional. E será assim enquanto nossas organizações priorizarem as disputas eleitorais ou por aparatos burocratizados.

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11 de junho de 2015

O Deus Branco e a subjetividade dos animais

Em 2014, o filme de maior sucesso no Festival de Cannes tinha um cão labrador como estrela.

A produção húngara "White God", de Kornel Mundruczó, contava a história de um cachorro que, cansado de maus-tratos, lidera uma “gangue” canina em busca de vingança pelas ruas de Budapeste. Seu alvo é o ser humano, um “Deus Branco” que sempre foi muito cruel com as outras espécies.

Mas essa brutalidade ancestral com outros animais piorou e se ampliou nos últimos 200 anos. A Revolução Industrial violentou não apenas grande parte de nossa espécie, mas nos levou a fazer o mesmo com aquelas que domesticamos.

Como diz Yuval Harari, em seu livro “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, os animais também têm subjetividade. Ela é produto de leis biológicas, mas nem por isso menos importante.

Aves, bovinos e suínos são os que mais sofrem. Um exemplo basta:


Os porcos estão entre os mais inteligentes e curiosos dos mamíferos, possivelmente só ficam atrás dos grandes primatas. Mas as fazendas industrializadas de criação de porcos adotam a prática rotineira de confinar porcas lactantes dentro de caixotes de madeira tão pequenos que elas literalmente são incapazes de se virar (muito menos caminhar ou procurar comida). As porcas são mantidas nesses caixotes dia e noite durante quatro semanas depois de parir. Sua prole é retirada para ser engordada, e as porcas são inseminadas com a próxima leva de leitões.

Aqueles que lutam contra a exploração e opressão precisam prestar atenção a este tipo de sofrimento. Nossa relação com outros animais também deveria ser um indicador de nosso desenvolvimento como criaturas inteligentes e sensíveis.

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10 de junho de 2015

Tira os tubos, PT!

O paciente saiu do coma e permanece consciente graças a tubos ligados a aparelhos.

Depois de 15 anos inconsciente queria notícias. Principalmente, sobre seu querido partido político, o PT.

Parentes e companheiros tentaram desconversar. “Qual o problema? Digam logo! ”, protestou o recém-desperto. Bem, disseram-lhe, Lula foi eleito presidente e o PT está no comando do governo federal há 12 anos.

Ótimo, comemorou o convalescente. “Nada como ver a direita e os velhos canalhas conservadores longe do poder, certo? ”

Não é bem assim, foi a resposta. No apoio parlamentar ao governo estão Collor, Maluf e Calheiros, por exemplo. As campanhas eleitorais petistas são financiadas por empreiteiras, bancos e grandes empresas.

Assustado, o paciente gritou: “Tira os tubos! ”. Ele preferia o sono profundo à realidade que se revelava. Só ficou mais calmo quando soube que a vida dos mais pobres melhorou, o desemprego despencou, o salário mínimo subiu. Mas...

“Mas o quê? ”, exigiu saber o acamado. Responderam-lhe que o PT teve que fazer concessões demais para se manter no poder.

“Um exemplo! ”, pediu o desenganado. E disseram-lhe que os governos petistas foram reproduzindo aos poucos o programa neoliberal tucano.

Buscando consolo, o moribundo implorou: “Me digam, pelo menos, que alguém da época dos militares foi pra cadeia! ”. Responderam-lhe que sim. “Quem? Carrascos, torturadores, generais? ”, perguntou o enfermo.

A resposta veio seca e dura: “Nada disso. Estes continuam soltos e tranquilos. Prisão, mesmo, só pra José Genoino, Zé Dirceu e mais alguns. Por corrupção”.

Depois disso, o pobre paciente deixou de pedir que lhe tirassem os tubos. Ele mesmo os arrancou.

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Tira os tubos!

9 de junho de 2015

Redução da maioridade e voto aos 16 anos

Quem defende a redução da maioridade penal gosta de argumentar que se alguém com 16 anos pode votar, também deveria estar sujeito às punições do código penal.

Os que são contra costumam negar que se possa comparar as duas situações. Muito corretamente, lembram que, num caso, trata-se do exercício da cidadania, no outro, de sua cassação. Além disso, a lei pressupõe a imaturidade do eleitor menor de idade ao barrar-lhe o direito a se candidatar.

Mas, talvez, fosse interessante admitir que realmente há algo que pode ser comum às duas situações. Cada uma a seu jeito, ambas podem ganhar um importante caráter pedagógico.

O que aprende um jovem quando vota? A participar da cidadania, diriam alguns. Pode ser, mas, de preferência, para descobrir como a atuação política precisa avançar muito além do mero sufrágio universal inofensiva e sazonalmente registrado em urnas.

O que o sistema prisional ensina a quem está sob sua custódia? A aperfeiçoar-se nas artes bárbaras da criminalidade junto a outros detentos, mas também com o competente auxílio e orientação dos próprios agentes da lei.

O que tudo isso deveria ensinar ao jovem eleitor e ao adolescente infrator?

A respeitar as leis, claro. Desde que isso jamais signifique abrir mão do direito de desafiá-las quando servirem para assegurar privilégios para minorias poderosas. Não através da delinquência, mas por uma atuação política que não se contente com o simples exercício de direitos eleitorais.

O que num caso e outro podem aprender os jovens? A lutar. Principalmente, contra uma tirania classista que transforma alguns jovens em apáticos eleitores e trancafia muitos outros para doutorá-los no crime.

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8 de junho de 2015

Números do racismo brasileiro

Com metade da população, negros são só 18% em cargos de destaque no Brasil”, diz matéria da Folha publicada em 08/06.

Os principais dados:

Sexta-feira, 19h, entrada da PUC-SP. Em 30 minutos, 356 brancos, 75 pardos, 16 amarelos e seis negros.

Sábado, 14h45, entrada do hospital Sírio-Libanês. Passam pela catraca 169 brancos, 14 pardos, seis amarelos e seis pretos. Destes últimos, um é segurança.

Domingo, São Paulo, 13h20, praça de alimentação do luxuoso shopping Iguatemi. Almoçam no local 137 pessoas brancas, sete pardas e três amarelas. Nenhum negro.

Entre os presidentes das 20 maiores empresas do país, apenas Marcelo Odebrecht se considera pardo.

Dos 513 deputados federais, 80% são brancos. No Superior Tribunal de Justiça, 25 dos 29 ministros são brancos. Apenas um se considera negro. Todos os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal são brancos.

As cinco novelas inéditas em exibição na TV aberta têm apenas 15% de atores negros.

Mais números. Desta vez, de estudo do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade.

Em 2013, os negros que terminaram a faculdade ganhavam, em média, 28% menos que os brancos na mesma situação. Advogados negros ganham 27% menos que os brancos; engenheiros, 20%; médicos, 13%. Médicas negras ganhavam cerca de R$ 2 mil a menos que os outros colegas. Juízas, idem.

Patrões negros ganham 25% menos.

O “Mapa do Encarceramento – Os jovens do Brasil”, lançado recentemente pelo governo federal mostra que a população carcerária chegou a 515,4 mil presos em 2012, crescendo 74% desde 2005. Os detidos com idade entre 18 e 29 anos representam 54,8%. Destes, os negros representam 60,8% do total.

Leia também:
O racismo e seu avesso definitivo


7 de junho de 2015

O obscuro fichário da repressão

“Obscuro fichário dos artistas mundanos” é o nome de um projeto criado por Clarice Hoffmann. Trata-se de pesquisa sobre artistas investigados e fichados em Pernambuco entre 1934 e 1958 pelos aparelhos de repressão da “ordem política”.

O Globo trouxe matéria sobre o projeto em 03/06. Há aspectos que seriam pitorescos não representassem mais um exemplo da triste história da repressão política do País. Artistas eram suspeitos apenas por assumir atitudes e posturas fora das regras rígidas de um conservadorismo tão tacanho quanto brutal.

Um dos casos é o da atriz e cantora Anita Palmero, detida por causa de suas gargalhadas escandalosas diante de “autoridades” no saguão de um hotel. Outro exemplo é Sixto Argentino Gallo, anão anunciado como o “menor homem do mundo” pelo Circo Hispano-americano.

Norberto Americo Aymonino tornou-se alvo de investigações por se apresentar “em toilette feminina”. Em determinado trecho do inquérito, a estupidez dos investigadores perguntava: “No caso de mobilização, qual seria a situação de Aymonino, o transformista?”

A matéria informa que o período Vargas foi marcado pelo pensamento eugenista, que considerava possível identificar um criminoso por “conta de sua constituição corpórea”. Mas é importante observar que o período coberto pela pesquisa inclui tanto governos eleitos como ditaduras. Na verdade, trata-se de uma política assumida pelo Estado, que continuou em vigência até a ditadura militar e a ultrapassou.

Ou é falso dizer que a repressão policial, seja política ou não, atinge em especial pessoas tornadas suspeitas por traços de sua “constituição corpórea”, principalmente os que têm a pele escura e ainda ousam fazer arte de resistência nas ruas e em suas comunidades?

Leia também:
A antiga conspiração das facas

3 de junho de 2015

Entre a sujeira da Fifa e um juiz muito suspeito

O recente escândalo envolvendo a Fifa e Joseph Blatter tem origem na enorme mercantilização do futebol, com a inevitável corrupção de seus gestores. Mas todo este processo deve muito ao brasileiro João Havelange, presidente da Fifa por 24 anos antes de fazer Blatter seu sucessor.

Em uma passagem de
seu livro “Futebol ao sol e à sombra”, Eduardo Galeano cita
Havelange falando a um grupo de “homens de negócios”, em 1994: “Posso afirmar que o movimento financeiro do futebol chega, anualmente, à soma de 225 bilhões de dólares”. Na ocasião, Havelange comparou a soma aos 136 bilhões lucrados pela General Motors para dizer que o “futebol é um produto comercial que se deve vender o mais sabiamente possível”.

Desde então, a “sabedoria” inventada por Havelange e cultivada por Blatter tem se mostrado cada vez mais rentável. A comparação com a General Motors é que não faz muito sentido. A Fifa só fatura o que fatura e permite as roubalheiras que permite porque encontra generosos patrocinadores. Principalmente, entre grandes empresas como a GM, incluindo os bancos e a grande mídia, ainda que os governos façam sua parte.

Havelange chegou aonde chegou graças às articulações políticas da ditadura militar brasileira junto aos outros governos, ditadores ou não. Ele e Blatter permaneceram onde estavam graças aos governos seguintes e ao apoio econômico do grande capital.

Por isso mesmo, tudo indica que se repetirá a velha marmelada: alguns corrompidos punidos, todos ou quase todos os corruptores poupados. Tudo isso sujeito ao apito do mais sujo dos juízes: o aparato de segurança do imperialismo estadunidense.

Leia também: Saúde e educação a cargo de mafiosos

2 de junho de 2015

O Estado e seus escravos

Você sabia?

Grande parte dos crimes por armas de fogo no Brasil não está ligada a assaltos e roubos. Mais de 45% deles são cometidos em brigas de família, de vizinhança, de bar, de trânsito etc. A maioria em bairros pobres, onde predominam as vítimas negras.

Os jovens são 59% dos mortos por arma de fogo no Brasil. Mas os jovens negros são duas vezes e meia mais vítimas de homicídio do que os brancos.

Em 2013, pelo menos seis pessoas foram mortas por dia nas mãos de policiais brasileiros. Por isso, já virou lugar comum dizer que nossas polícias estão entre as que mais matam no mundo. Mas é aqui também o lugar em que os policiais mais morrem.

Em 2013, 490 policiais morreram violentamente. Desde 2008, acumulam-se 1.770 casos fatais. É muito provável que a quase totalidade dessas vítimas sejam de baixa patente. É quase certo que grande parte seja negra. A Polícia Militar do Rio de Janeiro, por exemplo, tem cerca de 60% de negros nos seus quadros.

Você sabia?

Na Grécia Antiga, não existia uma polícia tal qual a conhecemos hoje. Mas havia quem desempenhasse funções repressivas muito semelhantes. Elas eram exercidas principalmente por escravos, já que eram consideradas baixas demais para serem exercidas por cidadãos livres. E perigosas, claro.

Já naquela época, a ralé matava-se entre si. Antes e agora, os mais fracos morrem como vítimas do Estado, à margem dele, contra ele ou a seu serviço.

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