Doses maiores

5 de julho de 2015

A maioridade penal e o código de Hamurabi

Antonio Prata deixou de lado seu tom bem-humorado ao escrever sobre a redução da maioridade penal em sua última coluna na Folha. Incomodado, disse que os autores e defensores da proposta querem apenas vingança, sangue, “cabeças rolando”.

Por isso, apelida a medida de “emenda de Hamurabi”, em referência à famosa Lei de Talião,
bem resumida no dito popular “olho por olho, dente por dente”.

No entanto, a justa indignação do colunista comete injustiça contra a legislação criada pelo rei da Babilônia, 1.700 anos antes de Cristo. O código inovava ao
determinar que uma ofensa fosse retribuída de forma proporcional. Um tapa na cara, por exemplo, deveria ser retribuído com outro tapa na cara e não com uma paulada na cabeça.

Além disso, a regra procurava impedir que ricos e poderosos impusessem castigos desproporcionais à ofensa sofrida. Um plebeu que, digamos, desse uma bofetada em um nobre jamais deveria receber como penalidade a mutilação ou a morte.

Cerca de 1/3 de nossos presidiários nem mesmo foram condenados pela Justiça. Quase todos pretos e pobres. E dentre os condenados, a maioria cometeu crimes como roubos e fraudes. Mas uns e outros recebem como punição penas hediondas como tortura, estupro e até decapitações dentro dos cárceres.  

A redução da maioridade penal tem pouco a ver com fazer justiça. Seu objetivo maior é punir desproporcionalmente os mais indefesos. Implica internar mais pessoas em um sistema prisional que obedece a uma lógica anterior ao ancestral código babilônico. Nele, o tapa na cara que o suspeito pobre recebeu do policial na rua se transforma na vingança mais estúpida.

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