Doses maiores

18 de junho de 2015

O que temos a aprender com Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues nunca escondeu seu conservadorismo. Anticomunista visceral, apoiou entusiasticamente o golpe militar de 1964.

Mas o genial escritor soube como poucos mostrar toda a hipocrisia da classe média brasileira. Demolia com seus artigos, crônicas e peças a mentalidade desse setor social que esconde por trás de seu moralismo seus próprios desejos inconfessáveis.

Nelson arrancava aplausos de plateias que não notavam serem elas próprias o alvo do ridículo e do desprezo de suas peças.

Obras como “Álbum de Família”, “O Beijo no Asfalto” e “Vestido de Noiva” abordam temas como o incesto, a homossexualidade e a competição desleal, que são ocultados pela falsidade moral de quem se julga superior à plebe e olha invejoso e submisso para os ricos.

E a inteligência ácida do dramaturgo não ficava apenas no terreno dos costumes. A denúncia do racismo, por exemplo, era uma de suas maiores frentes de batalha. Ele foi uma das primeiras celebridades a dizer que a “
vida do preto brasileiro é toda tecida de humilhações” e a nos considerar um dos povos “mais racistas do mundo”.

Enquanto isso, a maioria dos dirigentes comunistas ignorava a importância da luta contra a opressão racial para derrotar o capitalismo. Impunha regras moralistas a seus liderados, vigiando seus hábitos, sua vida sexual, sacralizando a vida familiar baseada no machismo.

O resultado é que, hoje, assistimos 
em estado de semiparalisia à ofensiva de fanáticos religiosos e conservadores em geral contra homossexuais, mulheres, jovens, artistas. Não é que tenhamos muito a aprender com Nelson Rodrigues. Mas o pouco que sua obra pode nos ensinar já é demasiado para nossa incompetência revolucionária.

Leia também:
A vocação conservadora da classe média brasileira

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