Doses maiores

28 de março de 2013

Vozes escravagistas contra os direitos das domésticas

Em 26/03, o Congresso Nacional aprovou a proposta de emenda à Constituição (PEC) que estende às empregadas domésticas todos os direitos dos demais trabalhadores. Raríssima medida positiva aprovada pelo parlamento em muitos anos. Exatamente por isso, recebida com alertas sobre desemprego em massa no setor.

A defesa incondicional da PEC pelas entidades que representam as trabalhadoras mostra que não deverá ser assim. Por outro lado, não é segredo que uma das formas de medir o nível de desigualdade de uma sociedade é a proporção de trabalho doméstico empregado. É por isso que em países com mais justiça social, empregadas, porteiros, caseiros, vigias são raros e, portanto, caros.

Em janeiro passado, foi divulgado um relatório da Organização Internacional do Trabalho chamado “O trabalho doméstico no mundo”. Segundo seus dados, o Brasil tem 8% da população mundial, mas 37% dos trabalhadores desta categoria no planeta. Claro que a grande maioria deles é formada por mulheres negras.

As vozes que criticam a medida são aquelas que se ouvem ao longo dos séculos desde os primeiros escravagistas. Mas, talvez, por isso mesmo, suas profecias agourentas acabem por se cumprir. Como tantos outros mandamentos constitucionais, este pode ser outro a ser ignorado.

Uma boa solução seria a criação de uma rede pública de creches, refeitórios, lavanderias etc. As relações marcadas pelos caprichos pessoais dos patrões seriam substituídas por relações mais profissionais. Claro que os neoliberais considerariam desperdício de dinheiro público. E este tem que continuar a ser direcionado para as empresas via privatizações, subsídios, crédito fácil, papéis da dívida pública...

Leia também:

27 de março de 2013

Com o neoliberalismo na alma

“Os Estados construíram o atual sistema neoliberal” é o título de entrevista com o sociólogo francês Christian Laval, concedida ao site espanhol “Periodismohumano”, publicada em 11/03. Laval está lançando o livro “La nueva razón del mundo”, em parceria com Pierre Dardot.

A primeira frase do livro diz tudo: “Não acabamos com o neoliberalismo”. O entrevistado justifica a afirmação: “além de o neoliberalismo ser uma doutrina, é um sistema de normativas em que toda a sociedade está imersa, também aqueles que nos dirigem”. É por isso, afirma Laval, que:

...na Europa, com todos os governos, sejam de direita ou de esquerda, que estão se vendo obrigados a seguir as normas que eles próprios ditaram: a regra de ouro do equilíbrio orçamentário, a estabilidade monetária, a luta contra a inflação... Tudo isso está nos levando a consequências sociais desastrosas.

Isso estaria acontecendo porque foram os Estados que introduziram o neoliberalismo na economia e na sociedade e não o contrário. Assim, a persistência neoliberal não seria produto apenas de covardia política ou malandragem eleitoral. Ainda que isso não justifique os covardes e malandros de plantão.

O mesmo mecanismo criou a lógica social que lhe corresponde. Como diz Laval, mesmo quando somos contra as privatizações, muitos de nós preferem o hospital privado e a escola particular, se pudermos pagar.

A esse respeito, a entrevistadora, Rebeca Mateos Herraiz, citou uma frase perfeita: “A economia é o método. O objetivo é mudar a alma”. Foi dita por Margareth Thatcher, em 1981. Três décadas depois, o objetivo foi alcançado. E insistir na disputa por governos é quase sempre mais uma forma de concretizá-lo.

26 de março de 2013

Índios no museu, só embalsamados

Em 22/03, muita gente acompanhou ao vivo e em cores a violência com que foi tratado um grupo de indígenas na Aldeia Maracanã, na capital carioca. O Batalhão de Choque invadiu o antigo Museu do Índio com a orientação de sempre: se o problema é povo revoltado, pode baixar a porrada.

As cenas são de uma covardia óbvia. Mas a grande imprensa teimou em culpar a intransigência dos índios pelo episódio vergonhoso. Só admitiu “ouvir o outro lado” quando seus profissionais também passaram a ser agredidos. Mesmo assim, timidamente.

O que aconteceu no Maracanã trouxe para o meio de uma cidade grande aquilo que acontece com muito mais frequência e silêncio nos sertões do País: o uso das forças de segurança para assegurar os negócios de empresários bilionários. E a cumplicidade das autoridades diante dos massacres cometidos por jagunços.

Os indígenas sofrem um racismo diferente. Os negros devem se comportar como brancos porque ficou estabelecido que não há discriminação de cor no País. Já os indígenas, precisam reafirmar sua condição o tempo todo. Devem parecer típicos, pitorescos, diferentes. Ficar longe da tecnologia e dos costumes de origem branco-europeia.

O que não faltam são declarações oficiais reconhecendo que os índios formam o povo original das terras americanas. Mas isso não leva a qualquer respeito por suas terras e tradições. Os grandes empreendimentos capitalistas e os governos governados por eles só aceitam os indígenas como peça de antiguidade. Nos museus, sim, mas embalsamados. 

25 de março de 2013

O PT bate cabeça. A grande mídia faz cabeças

“Ministro volta a criticar PT e defende desoneração às empresas de comunicação“, diz reportagem de Vera Rosa, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 22/03. O texto diz que “enquanto militantes da extrema esquerda” faziam ataques ao ministro nas redes sociais, parlamentares do PT, do PMDB e do PSDB saíam em sua defesa.

Outra matéria da mesma edição tinha o título “Dirigente do PT critica ministro e volta a defender regulação da mídia”. Trata-se do membro da direção nacional, Valter Pomar . Em seu blog, ele teria afirmado que é incompreensível “postergar para um futuro incerto o marco regulatório".

Enquanto isso, o jornal Valor destacava declaração do presidente do partido. Rui Falcão teria dito que “Dilma não regulará mídia”. Segundo ele, o governo “não é contra a existência de regulação, mas neste mandato não haverá nenhuma proposta do Executivo". Apesar disso, Falcão garante que "não há crise entre PT e governo".

É muito provável que ele tenha razão. O governo do PT decide. O próprio PT não gosta, esperneia, mas nada acontece. A grande mídia segue fazendo cabeças. Inclusive, quando mostra o PT como um bando de loucos que nunca se entendem. Esta imagem vem sendo utilizada há décadas pela imprensa empresarial para atacar o partido. A diferença é que, agora, grande parte da culpa é dos próprios petistas.

Leia também: Contra as serpentes golpistas que Lula ajudou a criar

22 de março de 2013

BBB é a realidade do capitalismo

Enquanto estudava a exploração no mundo do trabalho, a socióloga Silvia Viana enxergou aquilo que estava pesquisando nos reality shows. O tema virou seu doutorado e foi lançado o livro "Rituais de sofrimento", no qual ela revela que a sociedade tem mais semelhanças com o ambiente cruel e brutal dos BBBs do que se imagina.

Esta é a introdução da ótima entrevista feita por Luís Brasilino sob o título “Reality Show: mais real do que se gostaria”, publicada em 21/03 no Le Monde Diplomatique Brasil.

Segundo Silvia, com o “capitalismo flexível” atual, “a exclusão tornou-se o pesadelo, necessário e irreversível, de um exército de `inúteis para o mundo`”. Referindo-se ao desemprego, ela afirma que:

...a eliminação tornou-se um ritual ao qual estamos permanentemente submetidos; esse ritual tem a forma da seleção, seja ela de “fora para dentro”, nos incontáveis processos seletivos pelos quais passamos ao longo da vida, seja de “dentro para fora”, na triagem em que se converteu o próprio trabalho sob incessante avaliação. Não é à toa que os reality shows têm a forma preferencial da seleção – e, quando não a têm, ela está pressuposta. O “paredão” é a ritualização desse descarte “necessário e inelutável”, contra o qual é necessário se mobilizar, aceitar quaisquer provas, lutar e, principalmente, participar sempre.

A confirmar essa avaliação, ela cita o próprio Pedro Bial, perguntando aos participantes do programa: “Vocês acham que o BBB é colônia de férias?”. “Não”, responderam todos em uníssono. Silvia concorda. É “trabalho flexível, explorado e degradado”. Não deixem de ler a entrevista.

21 de março de 2013

10 anos de massacre no Iraque

Em 20/03, completaram-se 10 anos da invasão ao Iraque. As manchetes dos principais jornais admitem: o saldo é formado por mortandade, enormes gastos militares, instabilidade na região. Tudo isso depois de uma década sem o ditador que as “forças da liberdade” derrubaram.

Apesar disso, um ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos declarou à CNN: “são necessários 10 ou 20 anos para saber se guerra foi um erro”. Trata-se de Robert Gates, chefe do Pentágono entre 2006 e 2011. Mas ele admite que:

Há uma série de coisas que podem demonstrar que se tratou de um erro. Principalmente se o Iraque começar a se desintegrar em razão de divisões sectárias e de uma influência crescente e significativa do Irã no Iraque e na região e de uma desestabilização regional.

Mas a desintegração do Iraque é obra das tropas invasoras. Afinal, os números oficiais falam em, pelo menos, 174 mil pessoas mortas, das quais, 112 mil a 122 mil seriam civis. Por isso, a resistência iraquiana permanece. No dia em que se completava uma década da covarde operação militar, foram registrados 50 atentados.

No entanto, há quem discorde de Gates. Afinal, toda essa matança já custou mais de 2 trilhões de dólares. Dinheirama que tem destino certo. É o complexo industrial-militar dos países invasores, especialmente o estadunidense. Para este setor a invasão do Iraque já deu muito certo.

Se há alguma esperança, ela está com a resistência iraquiana. Ela é sangrenta, suicida, desesperada, raivosa, mas é o que há de menos bárbaro nessa década sangrenta que se completa sem acabar.

20 de março de 2013

Dinheiro público para tiranos religiosos

Uma das acusações mais fortes e justas contra muitas igrejas evangélicas é a de arrancar dinheiro a seus fiéis. Mas não se diz o mesmo da Igreja Católica, que cobiçaria menos as economias de seus seguidores.

Apesar disso, a religião apostólica romana não pode reclamar de penúria. Ao contrário, seus templos e propriedades esbanjam luxo. Não graças a Deus. O dinheiro vem de fontes nem um pouco divinas. Sai de muitos orçamentos públicos ao redor do mundo.

Texto postado no blog argentino "De Plata Corrientes” denuncia o financiamento estatal da Igreja Católica local. Trata-se de leis aprovadas durante a ditadura militar que determinam o pagamento de salários a bispos e arcebispos.

Uma delas é a lei 21.950, de 1979, assinada pelo general Videla, recentemente condenado por seus crimes políticos. A lei ainda vale e garante aos sacerdotes remuneração equivalente a 80% do que recebem juizes de primeira instância.

O atual papa nega colaboração com a ditadura argentina, mas não o incomoda sua igreja receber dinheiro sujo de sangue e que deve fazer falta a muitos outros cidadãos.

No entanto, o caso não é apenas argentino, nem somente católico. O blog revela pesquisa do jornal espanhol “20minutos” que teria encontrado doações, subsídios, financiamentos governamentais para igrejas cristãs em muitos outros países: Alemanha, Dinamarca, Áustria, Portugal, Itália, claro, e até a historicamente laica França.

Ou seja, as instituições cristãs ignoram o que disse Jesus quanto a deixar “a César o que é de César”. Talvez, por isso, tentem ser tão tiranas quanto os ditadores romanos.


Leia também: O papa do pau oco

19 de março de 2013

A subordinação petista ao grande capital

O Congresso Nacional transformou-se numa caixinha de péssimas surpresas. Não porque tenha já surpreendido positivamente antes. É que sob um governo dito de esquerda, vêm acontecendo coisas inesperadas demais.

A nomeação do rei da soja, Blairo Maggi, para a Comissão do Meio Ambiente é uma delas. A ministra do Meio Ambiente, Isabel Teixeira, calou. O racista e homofóbico Marco Feliciano foi para a Comissão de Direitos Humanos. A ministra da área, Maria do Rosário, nem se mexeu.

Não esqueçamos as eleições de Renan Calheiros para a presidência do Senado e de Eduardo Henrique Alves para a Câmara dos Deputados com apoio petista. Já a reforma ministerial, trouxe de volta corruptos notórios e manteve outros.

Os governistas justificam com a manutenção “da governabilidade”. Mas Dilma Roussef governa para quem, afinal? Vejamos algumas medidas:

- Constantes isenções fiscais para que empresários criem ou mantenham o nível de emprego só têm conseguido manter ou aumentar as taxas de lucros dos setores beneficiados.

- A desoneração integral da cesta básica esperava levar à queda de preços de seus produtos. Melhor esperarmos sentados.

- Bancos públicos privilegiam o grande capital.

- Há intenção de conceder isenção fiscal para a saúde privada.

- Outro projeto envolve ceder bens da União emprestados às empresas de telecomunicações em troca de investimentos em infraestrutura.

Os petistas acusavam corretamente os governos tucanos de se subordinarem ao grande capital. Hoje, sua ações causam mágoa até em Fernando Henrique Cardoso. Ele declarou recentemente: “Quem não tem projeto é quem está no governo, porque eles pegaram o nosso” (Folha de S. Paulo, 26/02/2013).

18 de março de 2013

Pobreza é uma coisa, cegueira é outra

Em 15/03, reportagem de Nice de Paula publicada Globo dizia que “Nova classe média é fenômeno mundial”. É o que se deduz de um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Os dados mostrariam que o fenômeno ocorre não só no Brasil. Estaria presente também na China, Índia, África do Sul, Turquia, Bangladesh, Chile, Gana, Ilhas Maurício, Ruanda, Tunísia, entre outros.

Há quem discorde. É o caso de Celia Lessa Kerstenetzky, diretora do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento da Universidade Federal Fluminense. Para ela, trata-se de um “movimento de inclusão por meio do consumo, relacionado ao crescimento econômico mais rápido em vários desses países”. Mas em muitos casos, diz ela:

O mercado de trabalho é precário, a proteção social é incipiente e o acesso a serviços sociais essenciais é muito limitado. Acho equivocado falarmos em classe média no sentido sociológico do termo. Além disso, tem havido um aumento das desigualdades em muitos desses países.

Jessé José Freire de Souza, diretor do Centro de Pesquisa sobre Desigualdade da Universidade Federal de Juiz de Fora, concorda:

O que tem surgido é uma nova classe trabalhadora precarizada, que vai ser utilizada nas áreas de serviço, comércio e pequenas indústrias do Brasil e dos países emergentes do mundo inteiro. Por que neles? Porque você não convence um francês ou um alemão que trabalha sete horas por dia de que ele terá que trabalhar 14 horas...

Deve ser por isso que reportagem publicada no Valor em 12/03 afirmava “Morador de favela não se vê como classe média”. Ser pobre é uma coisa, ser cego é outra.

Leia também: Pesquisa explica mais o governo que os governados

15 de março de 2013

O papa do pau oco

Santo do pau oco é uma expressão popular para descrever alguém que finge uma inocência que está longe de ter. Vem das regiões mineiras do Brasil Colônia, quando imagens sacras escondiam ouro em seu interior para fugir à taxação das autoridades portuguesas.

O novo papa adotou o nome de um santo muito querido por sua simplicidade e desapego às coisas materiais. Francisco era amigo dos animais e dos pobres. Suas sandálias sempre simbolizaram a modéstia dos justos.

Jorge Mário Bergoglio nada tem de justo. A não ser que seja justa a cumplicidade com a ditadura militar argentina. Ou a perseguição aos homossexuais e a criminalização do direito ao aborto. E o cargo nunca foi modesto. O ouro o cerca por todos os lados no Vaticano.

O estado papal é menor que o bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. Tem 900 moradores e movimenta algo em torno de 12 bilhões de dólares por ano. Mas estes são números oficiais. No oco desses santos caras de pau há muito mais.

O banco do Vaticano tornou-se uma lavanderia de dinheiro. Superfaturamentos são constantes e chegaram até o presépio da Praça de São Pedro. Só não deveria espantar o fato de que um mafioso foi enterrado ao lado de antigos papas em troca de R$ 1,245 milhão. Afinal, exerciam atividades bastante afins.

Todo esse poder muito material protege práticas que envergonhariam Francisco. Da repugnante pedofilia às bênçãos derramadas sobre ditaduras. O Vaticano é um estado de exceção a serviço dos regimes de exceção.

14 de março de 2013

Delfim elogia Marx, para nossa vergonha

Em 13/03, Delfim Netto publicou o artigo “Marx” na Folha de S. Paulo. Chamado a opinar sobre o lançamento de uma nova tradução de “O Capital”, Delfim disse que Marx permanecia atual porque “não é moda. É eterno”. 

Para dar “um pequeno exemplo da intuição de Marx”, ele lembrou a advertência do alemão quanto “à propensão do capitalismo financeiro emergente e avassalador de produzir uma crescente concentração do poder econômico que, se não fosse coibido pelo poder político, levaria ao desastre social”.

Previsão que Delfim se encarrega de confirmar com os seguintes dados:

Nos últimos dez anos, as commodities tornaram-se ativos financeiros de fundos de investimento internacionais. Em 2000, estes não chegavam a US$ 10 bilhões. Em 2012, passaram de US$ 400 bilhões, um aumento de 40% ao ano! Há menos de 20 anos existiam mais de 20 "traders" de cada commodity (as oito mais importantes tinham mais de 160!). Houve a verticalização e fusão antecipadas por Marx.

Hoje, não passam de 15 organizações que financiam, compram, armazenam, transportam, vendem e especulam com o resultado do trabalho de bilhões de agricultores que não têm o menor controle sobre sua produção.

Por que razão Delfim faz esse tipo de elogio? Talvez, porque tenhamos tornado Marx inofensivo. Afinal, quando seu parceiro morreu, Engels disse que ele era antes de tudo um revolucionário. Todos os seus esforços teóricos nada valeriam se não estivessem a serviço da luta da classe trabalhadora mundial por liberdade.

Quando grande parte da esquerda lembra apenas o Marx teórico e esquece o Marx revolucionário, faz companhia a um Delfim Netto. Que vergonha!

13 de março de 2013

O chavismo e suas dependências

Em setembro de 2012, matéria de O Globo tinha o título “Risco de derrota de Chávez nas urnas deixa aliados apreensivos”. A reportagem de Janaína Figueiredo afirmava que Cuba e Nicarágua seriam os parceiros latino-americanos mais afetados com a possível mudança de governo.

Segundo o texto, “entre 2005 e 2011, o governo Chávez destinou cerca de US$ 82 bilhões a acordos de cooperação com mais de 40 países”. Entre estes os maiores beneficiados seriam Cuba, Nicarágua, Argentina, Bolívia e República Dominicana.

Cuba teria recebido em torno de US$ 28,5 bilhões. O segundo na lista seria a Nicarágua, com US$ 9,7 bilhões. Em terceiro, a Argentina, com US$ 9,2 bilhões, sendo US$ 6 bilhões em papéis da dívida pública do país.

É verdade que Janaina usava números da oposição venezuelana, pois não haveria indicadores oficiais. Mas muitos chavistas admitiriam com orgulho a veracidade dos dados. Seria a forma que Chávez teria utilizado para implantar uma espécie de “internacionalismo socialista” bancado pelo Estado.

Estaria tudo muito bem não fosse por duas razões. A primeira é a dependência desse internacionalismo em relação à figura de Chávez. Já era ruim temer pela derrota eleitoral do presidente venezuelano. Piorou muito com sua morte.

Mas digamos que o chavismo mantenha-se firme após o desaparecimento de seu líder. Ainda assim, continua a dependência “bolivariana” em relação ao petróleo venezuelano. Se o preço do produto despencar, arrasta junto a própria Venezuela e os países que Chávez vinha financiando.

É por isso que nenhuma construção socialista pode começar de cima para baixo, muito menos depender dos humores do mercado capitalista.

12 de março de 2013

Não há ditadura gay. Nem evangélica

Quando o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) foi eleito para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDH) da Câmara a revolta foi grande e justa. O parlamentar é conhecido por suas posturas extremamente reacionárias.

O sacerdote da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento já chamou os negros de “descendentes amaldiçoados de Noé”. Disse que “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, à rejeição”.  Também é favorável à criminalização de rituais religiosos de origem africana. E está sendo processado por estelionato no Supremo Tribunal Federal.

Diante das fortes reações negativas, ele reclamou de uma suposta “ditadura gay”. Por outro lado, há quem identifique na eleição de Feliciano para a Comissão mais um lance de uma suposta “ofensiva evangélica” contra a sociedade.

Melhor ir devagar com o andor. Vários setores religiosos pregam a intolerância e a perseguição contra minorias. Entre eles, muitos católicos. Mas não devemos confundir alguns sacerdotes fascistas com seus fiéis. Transformar essa questão numa guerra aos religiosos é tudo o que os conservadores querem.

Há várias tendências religiosas que não concordam com o pastor Feliciano. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil repudiou sua eleição, por exemplo. Pediu seu afastamento da presidência da CDH.

Isso não livra essas instituições de serem cúmplices no fortalecimento do conservadorismo que criou líderes como Feliciano. Elas só devem estar avaliando que a truculência do pastor mais atrapalha que ajuda sua causa.

A religião fica realmente perigosa quando se institucionaliza. Nesse caso, sempre se alia aos poderosos na defesa da maior das ditaduras, a dos interesses do capital. Esta sim nosso alvo principal.

Leia também: Tolerância demasiada

11 de março de 2013

Dilma financia a Saúde... privada

“União quer ampliar acesso a planos de saúde”, diz o título da matéria da Folha de S. Paulo, publicada em 27/02. Não se trata daquelas reportagens falsas com pretensões de fazer graça. Não é piada. Logo abaixo do título, “Governo tem negociado medidas com empresas do setor e já analisa redução de impostos e maior financiamento”.

É isso mesmo. O governo Dilma, que muitos teimam em considerar aliado dos trabalhadores e coveiro do neoliberalismo, faz mais uma das suas.

Não basta apenas eleger os bilionários como clientes preferenciais dos bancos públicos. É  pouco conceder bilhões em isenções fiscais para empresários, inclusive R$ 34,6 bilhões que deixaram de ir para a Seguridade Social em 2011.

Também é preciso colocar dinheiro no setor privado de saúde. Um ramo comercial que vendeu serviços ruins e parciais a 47 milhões de pessoas em 2011. É campeão de queixas no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, e não tem do que se queixar: movimenta cerca de R$ 80 bilhões anuais. Já o orçamento da União para a saúde, ficou em R$ 72 bi para atender muita mais gente, incluindo os próprios clientes dos planos.

Mas tudo isso é perfeitamente compreensível. Afinal, dizem os jornais, os “Planos de saúde doaram R$ 12 milhões nas últimas eleições”.

O fato é que as privatizações continuam, só não têm caráter oficial. É por isso que a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde lançou o Manifesto de Repúdio à Proposta do Governo Federal de Subsidiar os Planos Privados de Saúde. Mais que isso, o governo petista merece o combate do conjunto dos movimentos sociais.

Leia também:
Saúde pública e unanimidade restrita

8 de março de 2013

A crueldade machista na lavoura e na guerra

Esther Vivas escreveu “Mulheres de milho” em setembro de 2011. O blog “Ecossocialismo ou Barbárie” republicou recentemente esse bonito texto, que revela:

Nos países do Sul do Mundo, as mulheres são as principais produtoras de alimentos, responsáveis por trabalhar a terra, salvaguardar as sementes, coletar frutas, obter água. Entre 60 a 80% da produção de alimentos nesses países é feita pelas mulheres, e mundialmente em torno de 50%.

Elas são as principais produtoras de culturas como arroz, trigo e milho, que compõem a cesta-básica da maior parte dos pobres do Sul. Apesar disso, diz Esther, as mulheres “são, juntamente com as crianças, as pessoas mais afetadas pela fome”.

Enquanto isso no Norte do planeta, algumas mulheres dedicam-se ao ofício mortal das guerras. Mais especificamente, nas tropas estadunidenses. Mas, apesar de integrarem as poderosas e sanguinárias forças imperialistas, elas também são vítimas delas. E não se trata de mortes em batalha.

É o que denuncia a reportagem “Violência sexual causa trauma em veteranas do exército dos EUA e as leva a viver nas ruas”. Escrita por Patricia Leigh Brown e publicada no portal Uol, em 04/03, a matéria revela que “53% das veteranas sem teto tinham algum tipo de trauma sexual militar”. Ou seja, foram violentadas nos quartéis. Diz ainda que muitas delas “entraram para as forças armadas para fugir dos conflitos e abusos familiares”.

Isso mostra o alcance da crueldade machista. Mas será por sua presença na luta de classes que as mulheres abrirão caminho para a liberdade. Apesar dos muitos machistas com que dividem as trincheiras nessa luta.

7 de março de 2013

Que os discípulos do chavismo superem seu mestre

Para grande parte da imprensa empresarial, Chávez era um autocrata amado pelas maiorias pobres. Mas que ditador venceria 15 de 16 eleições disputadas em 14 anos? Por que multidões de pobres e explorados salvariam um tirano de um golpe de estado?

É verdade que Chávez manipulava mecanismos institucionais em seu proveito. Mas não mais do que fazem muitos governantes nas democracias cada vez mais limitadas em que vivemos, com suas medidas provisórias e maiorias parlamentares compradas com cargos e verbas.

Sua “revolução bolivariana” e seu “socialismo do século 21” estão longe de ameaçar o imperialismo que ele corretamente denunciava. Os Estados Unidos, por exemplo, continuam a ser os maiores compradores do petróleo venezuelano. E o país permanece dependente desse comércio.

Por outro lado, essa enorme riqueza passou a ser usada para melhorar a vida dos mais necessitados. Chávez criou mais de 20 programas assistenciais ou de transferência de renda. Destinou a eles mais verbas que o Bolsa Família brasileiro, que atende um público quase seis vezes maior.

Mas intolerável mesmo para os poderosos era a confiança que Chávez transmitia a seus iguais. Ele ensinou aos descendentes de negros e índios a manifestar seu nojo e ódio contra quem os explora há séculos. Vibraram, por exemplo, quando Chávez reclamou do cheiro de enxofre de George Bush, em plena sessão da ONU.

Apesar disso tudo, a maior fraqueza do chavismo é sua confiança em um Estado incapaz de fazer verdadeira justiça social. Que os apaixonados discípulos de Chávez superem o mestre. Ganhem autonomia e organização própria. Asfixiem os inimigos do povo em seus próprios odores pestilentos.

6 de março de 2013

O capitalismo chinês começou com Mao

Em 02/03, José Luís Fiori publicou o artigo “Sobre o desenvolvimento chinês” no site Outras Palavras. O texto ajuda a mostrar o quanto é capitalista o enorme crescimento por que passou a economia chinesa a partir dos anos 1980.

Além disso, mostra como essa expansão começou ainda sob Mao Tse Tung. É o que se deduz quando Fiori afirma que “parece não haver dúvida que o ‘grande salto capitalista’ da China, começou no final da década de 1950, com a ruptura entre o comunismo chinês e o soviético”.

Conflitos pelo controle da região levaram os dois gigantes asiáticos a militarizarem suas fronteiras mútuas, no final dos anos 1960, diz o autor. Até que em 1972, em uma reunião com Richard Nixon, Mao propôs ao presidente americano um acordo para conter os planos de expansão da União Soviética.

Depois disso, diz Fiori:

...o primeiro-ministro Chou en Lai propôs, em 1975, o seu programa das “quatro modernizações” que foram implementadas por Deng Xiaoping, a partir de 1978. Seguindo esta mesma estratégia, o governo de Deng Xiaoping promoveu em 1979 uma invasão preventiva do Vietnã, para impedir a expansão da influência militar soviética na Indochina, com o conhecimento do Japão e com o apoio logístico do governo Jimmy Carter, em Washington.

Se isso não é um acerto típico de potências imperialistas, o que seria?

E o autor conclui: “Para os chineses, o desenvolvimento capitalista é apenas um instrumento a mais de defesa de sua civilização milenar”. O problema é que o ritmo capitalista de destruição limita sua validade a, no máximo, alguns séculos.

Leia também: EUA e China: tranquilidade política, terremotos econômicos

5 de março de 2013

Frustração, indignação, quase revolução

Em 03/03, o blog da Boitempo publicou um bom texto de Slavoj Žižek. Trata-se de “Por que os fundamentalistas do livre mercado acreditam que 2013 será o melhor ano de todos”. O melhor trecho diz:

As pessoas se rebelam não quando as coisas estão realmente ruins, mas quando suas expectativas são frustradas. A Revolução Francesa ocorreu apenas quando o rei e os nobres começaram a perder o poder; a revolta anticomunista de 1956 na Hungria eclodiu depois que Imre Nagy já era primeiro-ministro há dois anos, depois de debates (relativamente) livres entre os intelectuais; as pessoas se rebelaram no Egito em 2011 porque houve certo progresso econômico sob o governo de Mubarak, dando origem a uma classe de jovens instruídos que participavam da cultura digital universal. E é por isso que o pânico dos comunistas chineses faz sentido: porque, no geral, as pessoas hoje estão vivendo melhor do que há quarenta anos – os antagonismos sociais (entre os novos ricos e o resto) explodem e as expectativas são muito mais elevadas.

Eis o problema com o desenvolvimento e o progresso: são sempre desiguais, dão origem a novas instabilidades e antagonismos, geram novas expectativas que não podem ser correspondidas. No Egito, pouco antes da Primavera Árabe, a maioria vivia um pouco melhor do que antes, mas os padrões pelos quais mediam sua (in)satisfação eram muito mais altos.

Trotsky e Lênin concordariam. Crises sociais agudas, por si só, não levam a situações revolucionárias. É preciso que as maiorias exploradas e oprimidas resolvam tomar aquilo que lhes está sendo roubado. Frustração torna-se indignação. Ainda não é revolução. É quase...

3 de março de 2013

Uma Comissão da Verdade para a escravidão?

Pesquisa da University College, de Londres, indica que pelo menos “um quinto da riqueza dos britânicos da Era Vitoriana guardava relação com a escravidão”. É o que diz a reportagem “Revelado elo entre escravidão e riqueza de ingleses”, de Maurício Hashizume publicada pela agência Repórter Brasil, em 27/02.

O estudo apresenta detalhes como os “valores e nomes de donos de escravos que foram beneficiados com indenizações públicas após a abolição”. Entre eles, antepassados do atual primeiro-ministro inglês, David Cameron, do Partido Conservador, e do escritor George Orwell, autor de “1984”.

E não se trata apenas “do retorno financeiro obtido pelo próprio negócio da escravidão transatlântica”, diz Hashizume. Os comerciantes de pessoas também foram fartamente indenizados pela abolição da escravidão. Os dados mostram que esses pagamentos vergonhosos estão na raiz de muitas das atuais fortunas britânicas.

Catherine Hall, pesquisadora-chefe do estudo, explica que “o negócio da escravidão contribuiu de forma significativa para a Grã-Bretanha tornar-se a primeira nação industrial”. Ou seja, para viabilizar o capitalismo, cujo nascimento está marcado pela prisão, tortura e morte de milhões de africanos e indígenas.

No Brasil, seria impossível fazer levantamento parecido. Os documentos referentes à escravidão foram queimados logo depois de sua abolição. Mas este nem é o maior problema. A Comissão da Verdade para os crimes da ditadura militar até tem acesso a alguma documentação. Apesar disso, dificilmente haverá punição para torturadores e assassinos.

Na Inglaterra ou aqui, as instituições não foram feitas para fazer justiça aos explorados e humilhados. Estes terão que buscá-la com seus próprios meios.

Leia também:

1 de março de 2013

Tolerância demasiada

“Criatividade do lulismo está esgotada” é o título de entrevista concedida por Vladimir Safatle ao Brasil de Fato e publicada em 27/02. Duas afirmações merecem destaque.

Referindo-se ao sumiço da pauta política da taxação de grandes fortunas, Safatle disse: “No interior do lulismo, todas as políticas que poderiam radicalizar conflitos de classe foram e serão evitadas”. E complementa:

...o governo pratica um discurso das conquistas passadas que devem ser preservadas, não dos projetos futuros que devem ser alcançados. Um exemplo: o governo tem um programa crível de universalização do ensino público de qualidade? Ou do sistema de saúde? Vejam, não há sequer um projeto neste sentido.

Em outro momento que merece destaque, ele nega a divisão do mundo em culturas opostas e inconciliáveis:

...não há nada parecido com uma “visão islâmica de mundo”. Ela é tão clivada e contraditória quanto as diferentes visões de mundo que podem existir entre um evangélico convicto e um cristão que há anos não passa na porta de uma igreja.

Lembra o posicionamento de um intelectual africano entrevistado pelo site “Afreaka”. Nela, Pathisa Nyathi, professor e escritor do Zimbábue, afirma:

Quando olhamos para a cultura, o maior problema que vejo nas pessoas é que elas procuram diferenças mais do que semelhanças. Eu não vejo a cultura desse jeito. Eu a vejo como algo universal. Todos os seres humanos nesse planeta têm música e dança. Não importa se você é branco, negro ou amarelo, você tem música e dança. (...) Essa é a tragédia da raça humana, que se concentra nas diferenças.

Tolerância demasiada, apenas em relação às diferenças de classe.