Doses maiores

17 de abril de 2012

Aos mestres indígenas, com carinho

Grande parte das pessoas ainda encara os indígenas como povos ingênuos, que têm muito a aprender e evoluir. Espécie de crianças a serem educadas. Algo bastante conveniente para o poder econômico, que está de olho em suas terras.


Sobre isso, vejamos um trecho do livro “Convite à Filosofia”, de Marilena Chauí. Referindo-se aos povos ameríndios que não estavam organizados em grandes impérios, a filósofa diz que:

... os conquistadores encontraram as demais nações americanas organizadas de maneira incompreensível para os padrões europeus. Transformaram o que eram incapazes de compreender em inferioridade dos americanos. Considerando-os selvagens e bárbaros, justificavam a escravidão, a evangelização e o extermínio.


A esta visão dá-se o nome de etnocentrismo. Isto é, uma concepção que considera como corretos apenas padrões e valores dos brancos. O atraso dos povos indígenas estaria no fato de não terem mercado, escrita, história e Estado. Não é bem assim, explica Marilena:

O antropólogo francês Pierre Clastres estudou essas sociedades por um prisma completamente diferente, longe do etnocentrismo costumeiro. Mostrou que possuem escrita, mas que esta não é alfabética nem ideográfica ou hieroglífica (isto é, não é a escrita conhecida pelos ocidentais e orientais), mas é simbólica, gravada nos corpos das pessoas por sinais específicos, inscrita com sinais específicos em objetos determinados e em espaços determinados. Somos nós que não sabemos lê-la.

Mostrou também que possuem memória – mitos e narrativas dos povos -, transmitida oralmente de geração em geração, transformando-se de geração em geração. Mostrou, pelas mudanças na escrita e na memória, que tais sociedades possuem História, mas que esta é inseparável da relação dos povos com a Natureza, diferentemente da nossa História, que narra como nos separamos da Natureza e como a dominamos. Mas, sobretudo, mostrou por que e como tais sociedades são contra o mercado e contra o Estado. Em outras palavras, não são sociedades sem comércio e sem Estado, mas contrárias a eles.

Diante disso, é bem duvidoso que sejamos nós os que têm algo a ensinar. Basta ver o que estamos fazendo com o ambiente e o que é o Estado sob o qual vivemos. Amanhã, continuaremos a aprender com os índios.

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