Doses maiores

30 de setembro de 2011

Eles devem, não negam, nós pagamos

Eric Toussaint é presidente do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo. Em 27/09, ele concedeu entrevista ao próprio Comitê. O assunto foi a crise que ameaça abalar ainda mais a economia mundial.

Como se sabe, um dos pontos mais críticos desse cenário são as dívidas públicas européias e americana. Mas Toussaint afirma que:
... as dívidas privadas são muito mais importantes do que as dívidas públicas. Segundo o último relatório do McKinsey Global Institute, a soma das dívidas privadas em escala mundial chega a US$ 117 trilhões. Ou seja, cerca de três vezes mais que o total das dívidas públicas cujo volume atinge US$ 41 trilhões. É grande o risco de que empresas privadas, dentre as quais os bancos certamente fazem parte juntamente com os outros investidores institucionais, não consigam enfrentar o reembolso das suas dívidas. A General Motors e o Lehman Brothers caíram em falência em 2008 assim como numerosas empresas, pois eram incapazes de pagar suas dívidas.
Ainda segundo Toussaint, “os banqueiros, outros empresários, a mídia tradicional e governos não querem falar senão das dívidas públicas e tomam como pretexto o seu aumento a fim de justificar novos ataques contra os direitos econômicos e sociais da maioria da população”.

Toussaint tem toda razão. O que mais se ouve na grande mídia é que a crise é culpa de desperdícios com aposentadorias elevadas, altos salários para o funcionalismo público e direitos sociais exagerados. Nenhuma palavra sobre o rombo que o dinheiro público vem cobrindo.

São verdadeiros mestres em ilusionismo vigarista. Gastam nosso dinheiro, ficam devendo e ainda nos fazem pagar.

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Greve dos bancários e superexploração

Os bancários estão em greve desde 27/09. Até meados dos anos 1990, as paralisações do setor afetavam bem mais o cotidiano das pessoas. Desde então, seus efeitos vêm diminuindo. Uma das razões disso é o elevado índice de automação no setor.

O conhecimento necessário para contar dinheiro, efetuar um pagamento, descontar cheques, fornecer saldos e extratos foi incorporado pelos meios eletrônicos. Isso diminuiu o poder de pressão das greves. Por outro lado, levou ao fechamento de centenas de milhares de postos de trabalho.

Esse processo é bem mais antigo do que parece. No início do capitalismo, um empresário de calçados, por exemplo, dependia do saber e do ritmo de trabalho do sapateiro que trabalhava para ele.

Quando as primeiras máquinas começaram a fabricar sapatos, aquele saber do sapateiro começou a ser incorporado a elas. À medida que as máquinas fabricavam sapatos mais rápida e integralmente, mais os sapateiros tornavam-se ser meros operadores de alavancas, produzindo no ritmo das máquinas.

Um dos resultados desse processo é o desemprego estrutural da atual fase do capitalismo. Uma situação em que a classe trabalhadora perde poder de pressão. Faz com que os trabalhadores concorram entre si ao invés de combater seus patrões.

No caso dos bancários, o reajuste real dos salários do setor foi de apenas 3,6% entre 2004 e 2010. Enquanto isso, os seis maiores bancos brasileiros lucraram mais de 20% só no primeiro semestre de 2011.

Portanto, a maior parte dos enormes lucros dos bancos não vem dos juros que cobram e das operações financeiras que monopolizam. Vem da superexploração de seus trabalhadores. Daí, a justeza da greve.

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29 de setembro de 2011

As duas posses de Evo Morales

Evo Morales foi eleito presidente da Bolívia duas vezes. Em cada uma delas, houve duas cerimônias de posse. A primeira, celebrada segundo rituais indígenas. A segunda, no parlamento do País, seguindo formalidades herdadas do colonizador.

Os dois rituais mostram a dualidade do governo Evo. De um lado, a chegada ao poder a partir de um movimento popular vindo de baixo. De outro, esse mesmo poder domesticando as forças populares na figura de seu maior representante.

Essa contradição leva o governo a vários choques com sua base de sustentação. O episódio mais recente envolveu protestos contra a construção de uma rodovia que atravessará um milhão de hectares de território indígena. Obra financiada pelo capital brasileiro, vergonhosamente apoiada por Lula.

As manifestações aconteceram no domingo, 25/09. Foram violentamente reprimidas por tropas do governo. Quase 300 manifestantes foram presos. O que levou a novos protestos, incluindo a convocação de uma greve geral. A ministra da Defesa pediu demissão. Morales acabou suspendendo as obras temporariamente.

Tudo isso mostra os limites estreitos de conquistas feitas no campo da legalidade controlada pelos poderosos. A vitória de Evo desagradou a minoria branca, mas cobra um alto preço. O da adoção de uma lógica em que não há espaço para o respeito aos valores e interesses dos explorados.

A posse que realmente valeu não foi a que seguiu as tradições indígenas. O socialismo no século 21 é mais necessário do que nunca. De cima para baixo, jamais vai funcionar.

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28 de setembro de 2011

200 milhões de desempregados. Mas pode piorar

As bolsas de valores voltaram a subir ontem, 27/09. O mercado está otimista quanto a uma solução para a dívida da Grécia. Um problema realmente muito sério. A ameaça de um calote grego já fez o valor dos bancos europeus cair 40%, desde janeiro. Eles estão com os cofres cheios de títulos do tesouro grego. Já perderam € 400 bilhões só de ouvir falar em calote.

No mesmo dia, notícia publicada em O Estado de S. Paulo diz que os países do G-20 podem enfrentar sérios problemas de desemprego. Refere-se a um recente estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Segundo a pesquisa, os 20 países mais ricos do mundo já perderam 20 milhões de postos de trabalho com a crise de 2008. Mas outros 20 milhões podem sumir até o fim de 2012. Além disso, 200 milhões de pessoas já estão desempregadas atualmente no mundo. Um número que só perde para os anos de crise que se seguiram à Depressão de 1929.

Ou seja, o otimismo do mercado já é a uma realidade muito ruim para os trabalhadores. Infelizmente, pode ficar pior.

Leia também: Banqueiro elogia Marx por motivos errados

26 de setembro de 2011

Banqueiro elogia Marx por motivos errados

Quando um banqueiro elogia Marx, um dos dois está errado. Neste caso, o erro é de George Magnus, alto dirigente do banco suíço UBS.

Em artigo publicado no site Outras Palavras, Magnus diz que Marx estava certo quanto às tendências desastrosas do capitalismo. Recomenda medidas que se inspirariam nas análises do revolucionário alemão.

Entre elas, criação de empregos, alívio para as dívidas nacionais, investimentos em pequenas empresas e a busca por “um ritmo real de crescimento da produção econômica”.

O problema é que Marx jamais defendeu medidas para melhorar o funcionamento do capitalismo. Não à toa, sua maior obra chamou-se “O capital” e não “Os capitalistas” ou “A burguesia”. Trata-se de um sistema que serve aos patrões, mas só em parte é por eles controlado.

E a grande responsável por esse descontrole é a selvagem competição capitalista. A atual crise é prova disso. A demora em aprovar medidas econômicas não se deve apenas à incompetência política dos líderes mundiais.

Os prejuízos da primeira parte da crise foram pagos pelos trabalhadores e pelos cofres públicos. Agora, há menos espaço para repetir a dose. Começa a ficar claro que parte dos capitalistas também vai ter seus interesses sacrificados.

A briga entre os governos é exatamente para ver quem pagará essa conta. Só concordam quanto à necessidade de aprovar medidas que sacrificam os povos do mundo. E cessar as guerras nem lhes passa pela cabeça.

Por isso Marx nunca escreveu para banqueiros ou outros patrões. Seu público sempre foi a classe trabalhadora. Setor que mais sofre com o capitalismo e que só tem a ganhar com seu fim.

Leia o artigo de Magnus clicando aqui

Leia também: A insustentável cegueira do FMI

A Caixa Econômica Federal e o capitalismo racista

Bastante infeliz a propaganda da Caixa Econômica Federal que mostra Machado de Assis como um senhor branco. Despreza os muitos anos de luta para tornar reconhecida a origem afro-brasileira de um de nossos maiores escritores.

A instituição foi bombardeada por protestos. Teve que retirar a campanha do ar e pedir desculpas. Mais um episódio do racismo brasileiro que muitos teimam em negar.

Mas na mesma linha desta, outra propaganda complicada da Caixa passou despercebida. Também conta o caso de uma cliente do século 19. Dessa vez, uma escrava negra que poupou dinheiro em uma conta da instituição para pagar sua alforria.

Pode parecer estranho o orgulho com que a empresa descreve o modo como se beneficiou de algo como a escravidão. Na verdade, não é. Só mostra como o capitalismo jamais tem pudores quando se trata de fazer dinheiro.

Alguns poderão dizer que a escravidão acabou graças a pressões dos capitalistas. Interessava a eles ampliar o mercado consumidor e explorar mão de obra assalariada. É verdade, mas isso vale apenas para a fase concorrencial do sistema.

Antes disso, foi a escravidão que viabilizou o surgimento do capitalismo. O trabalho servil dos negros na América financiou a Revolução Industrial na Europa. Nada poderia deixar mais evidente a podridão que está na origem do atual sistema social.

Sem querer, a campanha da Caixa denuncia a perfeita e trágica combinação entre racismo e capitalismo.

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23 de setembro de 2011

Na ONU, a rendição de Dilma

Em seu livro “Sociologia do negro brasileiro” (1988), Clovis Moura disse que “um negro diretor de uma multinacional é sociologicamente um branco”. Não é uma vitória contra o racismo. É uma rendição aos padrões vigentes de dominação e exploração.

Pela primeira vez, um negro preside a maior potência mundial. Dilma foi a primeira mulher a abrir Assembléia Geral da ONU. Segundo os critérios de Moura, Obama embranqueceu. Já o feito de Dilma, não pode ser considerado uma conquista da luta feminista.

Mulheres no poder não são necessariamente uma boa notícia. Lembremos o monstro neoliberal chamado Margareth Thatcher. Ou a atual chanceler alemã, Angela Merkel. Comparadas a elas, Dilma tem verniz de esquerda. Mas é maquiagem que logo se deixa borrar.

Na ONU, Dilma puxou a orelha dos países ricos. Usou como exemplo sua própria fidelidade à disciplina fiscal. A mesma que vem empurrando a economia mundial para o abismo. Também condenou a contenção de gastos receitada pelo FMI. Como se ela mesma não tivesse acabado de cortar R$ 50 bilhões no orçamento federal, atingindo serviços públicos.

É verdade que a presidenta defendeu o Estado Palestino. Mas trata-se de posição anterior ao próprio governo Lula. Por fim, Dilma ainda defendeu a liberdade de atuação para os monopólios da grande mídia. A seu favor apenas a demonstração de orgulho por ter lutado contra a ditadura.

Diante disso, melhor lembrar outra mulher. Simone de Beauvoir disse que ninguém nasce mulher, torna-se. Em nossa sociedade, tornar-se mulher significa sofrer com a intolerância machista. Contra esta, surgiu o feminismo. A favor, a rendição. Dilma é mais um exemplo desta última.

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22 de setembro de 2011

A insustentável cegueira do FMI

Recente relatório do FMI considera 2011 o “ano dos acontecimentos inesperados”. Entre estes estariam o terremoto que provocou um desastre nuclear no Japão e as revoltas no norte da África. O mesmo vale para a “redução da demanda nos Estados Unidos” e o “aumento da turbulência econômica na Europa”. Tudo isso teria rebaixado as previsões de crescimento da economia mundial para este ano.

Muito estranha a lógica do FMI. Realmente, não havia como prever o tsunami japonês. Mas a construção de dezenas de reatores nucleares num país sujeito a constantes terremotos é uma aposta firme no desastre. Resultado de um modelo que sempre contou com o apoio do FMI.

Quanto às revoltas no mundo árabe, ninguém poderia antecipar data e hora. Por outro lado, as contradições provocadas pela dominação imperialista na região vinham se acumulando perigosamente. E o FMI colaborou em grande medida para esse quadro.

Em relação aos problemas nas economias americana e européia, não faltaram avisos. O fato é que a crise de 2008 não acabou. Suas causas não só permanecem como se fortaleceram. E o FMI faz parte dos que mais contribuíram para que isso acontecesse.

Na edição do Estado de S. Paulo de hoje, 22/09, o jornalista Jamil Chade avisa:
Numa odisseia para atender às exigências do FMI e da UE, o governo da Grécia pune a população com mais impostos, cortes dramáticos de salários, demissões e anuncia outro polêmico pacote de austeridade. Novamente não convence os mercados e provoca indignação entre a população, que promete reagir.
A reação popular mostra-se como o único caminho para barrar os que se surpreendem com as tragédias que eles mesmos gestam.

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21 de setembro de 2011

Os jovens como exército rebelde de reserva

Para Marx, os desempregados formam um exército industrial de reserva à disposição dos capitalistas. Aqueles que estão excluídos da produção servem como elemento de pressão sobre os que estão empregados. Se estes se revoltam, podem ser rapidamente substituídos pelos desempregados.

Este contingente costumava ser formado por peões de fábrica e outros trabalhadores braçais. Mas isso vem mudando. É o que indica, por exemplo, a antropóloga Regina Novaes em artigo publicado na revista Carta Capital, em 14/09. Referindo-se à participação da juventude em revoltas na Espanha, Chile e Inglaterra, ela diz:
...quando se procura o que há em comum entre o que está ocorrendo com os jovens dos três países evidencia-se a falência do casamento entre educação e trabalho.
Ou seja, os jovens capacitam-se profissionalmente. Graduam-se nas universidades, mas não encontram lugar no mercado de trabalho.

Ainda na década de 1860, Marx afirmou que “a indústria moderna” faz da ciência uma “força produtiva”. Não estava referindo-se diretamente aos portadores de diploma de seu tempo. Naquela época, ainda parte de uma elite. Mas sua afirmação ajuda a explicar a atual situação da juventude diplomada.

O capitalismo precisa cada vez mais de força de trabalho com formação científica. Mas é incapaz de absorver todos os que saem das universidades. O resultado é mais desemprego, mais pressão sobre os que estão empregados e mais contradições. Entre elas, o retorno da juventude rebelde às praças e ruas.

Algo que teve sua primeira explosão em Maio de 68. Naquele momento, uma das frases pichadas nas paredes dizia: "O patrão precisa de ti. Tu não precisas dele". Quando a maioria entender isso, o exército de reserva poderá se voltar contra seus comandantes.

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20 de setembro de 2011

A greve como defesa do serviço público

Os professores estaduais de Minas Gerais estão em greve há mais de 100 dias. O mesmo acontece com os servidores administrativos das universidades federais.

A grande imprensa acusa os grevistas de paralisar serviços essenciais. Mas cobra das pessoas erradas. Os principais responsáveis pelas paralisações são os governos. São eles que não respeitam o caráter essencial da educação, saúde, previdência, assistência social. Se respeitassem, não pagariam os piores salários para os funcionários desses setores.

O que pouca gente sabe é que os servidores públicos são considerados trabalhadores de segunda categoria. Não somente pelo desrespeito com que são tratados. O problema é jurídico, mesmo. Os trabalhadores regidos pela CLT firmam contratos com seus patrões. Seria um acordo entre partes iguais, mesmo que na prática esteja longe de ser.

Com os servidores públicos não é isso o que acontece. A rigor, eles aderem a um estatuto cujos termos podem ser alterados unilateralmente pelo Estado. Além disso, não têm direito a data-base, seguro desemprego, FGTS. A Constituição fala apenas em revisão salarial anual. Medida que ou é desrespeitada ou cumprida com reajustes miseráveis. Com tantos problemas, a estabilidade no emprego acaba sendo um prêmio de consolação muito precário.

Diante disso tudo, restam apenas as paralisações como forma de pressão. Os governos sabem que sua maior vítima é a população. Por isso, ignoram as reivindicações dos servidores por meses. Mas a solução não é negar a greve como arma de resistência. Passa por combiná-la com a luta em defesa dos serviços públicos. E entre suas exigências, tem que estar o respeito aos servidores como trabalhadores e não como serviçais.

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19 de setembro de 2011

Grécia: quando cachaça é eutanásia

Que tal receitar a um doente de cirrose hepática umas boas doses de cachaça? Ou a uma vítima de câncer de pulmão um maço de cigarros?

É isso o que estão fazendo com a Grécia e outros países em crise na Europa. Essas economias estão quebrando porque seguiram à risca as receitas neoliberais do FMI e União Européia. Já acumulam mais de 20 milhões de desempregados. Como saída para a crise a recomendação continua a ser mais doses de medidas neoliberais.

Tudo isso começou com uma crise financeira. Os bancos apostaram e perderam muito dinheiro. Dinheiro, aliás, que nem era deles. Os governos dos Estados Unidos e da Europa cobriram o rombo. Para fazer isso, contraíram dívidas monumentais que seus povos estão pagando. Houve cortes de serviços sociais, direitos de trabalhadores e milhões de postos de trabalho.

Enquanto isso, os banqueiros continuam na farra. A Grécia é uma das economias mais afetadas por esse tratamento suicida. Sua crise vem desde 2008. Na época o governo alemão chegou a sugerir que o país vendesse algumas de suas seis mil ilhas paradisíacas nos mares Mediterrâneo, Jônico e Egeu.

Agora, Fundo Monetário Internacional (FMI) e a União Europeia (UE) não chegaram a tanto. Por enquanto só querem a demissão de 100 mil funcionários públicos em quatro anos. Além disso, o fechamento de emissoras de televisão estatais e outras medidas parecidas.

Tem alguma lógica. Afinal, cachaça realmente é bom pra cirrose. Para a cirrose, não para seu portador. No caso grego, são milhões de desempregados e pessoas jogadas na pobreza. Eutanásia neles.

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16 de setembro de 2011

Mais idéias estéticas de Marx

Voltamos ao livro “As idéias estéticas de Marx”, de Adolfo Sánchez Vázquez. Citando, os “Manuscritos econômico-filosóficos de 1844”, o filósofo espanhol diz que Marx enxerga:
...claramente a relação entre e a arte e o trabalho através de sua natureza criadora comum e, conseqüentemente, concebeu este último não apenas como uma categoria econômica, (...) mas como categoria filosófica.

A concepção da arte como atividade que, ao prolongar o lado positivo do trabalho, evidencia a capacidade criadora do homem, permite ampliar suas fronteiras até o infinito, sem que a arte se deixe aprisionar, de um modo definitivo, por nenhum “ismo” em particular (...). A função essencial da arte é ampliar e enriquecer, com suas criações, a realidade já humanizada pelo trabalho humano.

Se a criação é a substância de toda arte verdadeira, não podemos considerá-la privativa de nenhuma tendência artística em particular; o realismo, portanto, não possui o monopólio da criação (...). A figura não é suficiente para que haja criação; mas tampouco sua abolição é condição ou garantia indispensável da atividade criadora.

A concepção da arte como criação não exige uma atitude unívoca diante do real (...). Sublinha antes de mais nada a ligação da arte com a essência humana (...). Por isso não há (...) arte pela arte, mas arte por e para o homem.

A concepção da arte como forma peculiar do trabalho criador não exclui seu reconhecimento como forma ideológica, nem tampouco ignora a função cognoscitiva que pode cumprir, mas não a reduz ao seu conteúdo ideológico nem ao seu valor cognoscitivo.
O tema é complexo, mas obrigatório. A leitura de Sánchez Vázquez ajuda.

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15 de setembro de 2011

Viva os mortos-vivos chilenos

Ontem, 14/09, 15 mil estudantes chilenos voltaram a ocupar as principais avenidas de Santiago, capital do país. Exigem mudanças no sistema educacional, mais investimentos no setor e ensino superior público gratuito.

Os protestos já duram quatro meses. Incluíram uma greve geral de dois dias no final de agosto. Uma demonstração de que a revolta não se limita aos jovens estudantes. A grande maioria da população está insatisfeita com o presidente Sebástian Piñera, neoliberal recentemente eleito.

Em 11 de setembro, milhares foram às ruas protestar contra o golpe que derrubou Salvador Allende, em 1973. Tudo indica que a atual crise chilena tem nesse episódio sua principal causa. A sangrenta ditadura militar acabou, “pero no mucho”.

A partir de 1990, foram eleitos vários governos da esquerda moderada. Mas o essencial da herança neoliberal foi mantido. Crescimento econômico à base de desigualdade social. Ensino superior caro, inclusive na rede pública. Previdência privatizada e para poucos. Pinochet jamais foi julgado. Mandou matar milhares e morreu em sua cama, de velhice.

A situação lembra um filme argentino chamado "Aparecidos", de Paco Cabezas. É um filme de terror lançado em 2008. Os filhos de um torturador são atacados por assombrações. São os fantasmas das vítimas da ditadura argentina. Querem justiça para que suas almas descansem em paz.

Numa de suas manifestações, os estudantes chilenos se vestiram de mortos-vivos para cantar e dançar “Thriller”, de Michael Jackson. A jovem e bem humorada vanguarda parece disposta a fazer aquilo que os seus pais e avós não puderam fazer. Encarar os espectros da ditadura e afugentar o terror neoliberal. Todo apoio a eles!

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14 de setembro de 2011

Crise econômica e HIV

A AIDS começou a matar no início dos anos 1980. A estupidez conservadora logo a batizou de “praga gay”. Os homossexuais formariam o chamado “grupo de risco”. Hoje, o preconceito é menor. Muitos já sabem que a epidemia nada tem a ver com a orientação sexual.

Segundo muitos analistas, a atual crise mundial também tem seu grupo de risco. São as economias norte-americana e européias. Distantes do perigo estariam os países ditos “emergentes”. Entre eles, China, Índia e Brasil. Devidamente imunizados por sua fidelidade aos princípios da economia de mercado.

Isso pode estar mudando. É o que diz a matéria “Emergentes agora se veem ameaçados por crise global”, do jornal Valor de 12/09. A reportagem refere-se a uma reunião de presidentes de bancos centrais dos países emergentes, realizada na Suíça. O texto de Assis Moreira diz que os presentes:
...consideram que a teoria de descolamento dos emergentes em relação aos desenvolvidos está perdendo força, e a crise começa a atingir alguns pelos canais financeiros, como nas quedas das bolsas, e do comércio, pela baixa de exportações.
Para um dos participantes, “o contágio depende das ligações entre os países. A Argentina, por exemplo, depende do que acontecer no Brasil e na China. A Coreia do Sul depende da China, do Japão e dos EUA".

No Brasil, os sintomas não são bons. Recente levantamento mostrou que a indústria de transformação parou de crescer há três anos. De julho de 2008 a julho de 2011 o setor evoluiu apenas 1%.

No caso do HIV, muitos dos que confiaram nos preconceitos acabaram contaminados. Na atual crise, o grupo de risco pode ser ampliado pela cegueira ideológica. É a confiança nos mecanismos capitalistas.

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13 de setembro de 2011

Reforma política deve começar em casa

O último Congresso Nacional do PT aprovou o limite de três mandatos para seus deputados federais e senadores a partir de 2014. Um bom exemplo.

Ninguém nega a necessidade de uma reforma política. O problema é saber quais seriam seus objetivos. O combate à corrupção é mais que necessário. Mas, aos partidos de esquerda só isso não deveria bastar.

Meter a mão no dinheiro público é regra na política institucional. E ela vale em quase todo mundo. O parlamento não existe para resolver os problemas da sociedade. Sua função é sustentar o poder político da burguesia. Assim como, viabilizar seus negócios e negociatas. Através das leis ou contra elas.

Atuar no parlamento e no Executivo, portanto, é jogar no campo do inimigo e sob suas regras. É feio ceder à roubalheira geral. Pior é deixar-se ganhar pelo conforto da vida palaciana. Esta, sim, a grande vitória dos poderosos.

Uma reforma política decente deveria começar proibindo mais de uma reeleição para todos os cargos políticos. Para seus ocupantes, um salário equivalente ao de um trabalhador qualificado. Talvez, uns R$ 6 mil. Mais nada. Sem assessorias, secretárias, motoristas etc. A estrutura de apoio seria formada por pessoal concursado.

Outras propostas precisam ser debatidas. Mas só estas já causariam muita confusão. Qual a chance de serem aprovadas? Com o atual Congresso, zero. O que fazer então? A esquerda deveria começar por adotá-las em suas organizações. Disciplinar sua militância institucional.

O PT se rendeu ao jogo eleitoral há muito tempo. Mesmo assim, tenta impor limites. Temos o dever de ir muito mais longe.

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12 de setembro de 2011

Redes sociais podem ajudar ditaduras?

Ditadores não deveriam censurar redes sociais como o twiter. Para eles, ruim com elas, pior sem elas. É o que revela texto publicado no Observatório da Imprensa sob o título “Estudo defende que mídias sociais desaceleram mobilização”.

Navid Hassanpour é aluno de ciências políticas na Universidade de Yale. Ele fez um estudo sobre as revoltas populares no Egito no início deste ano. Procurou avaliar a eficácia do bloqueio dos serviços de internete ordenado por Mubarak.

Navid acha que poderia ter sido melhor para o ditador manter livre o acesso às redes sociais. Referindo-se ao aumento dos protestos depois do dia 28/01, Hassanpour chegou à seguinte conclusão:
A interrupção do acesso à rede e do sistema de telefonia celular no dia 28 exacerbou a inquietação em pelo menos três maneiras. O fato envolveu muitos cidadãos apolíticos que não sabiam ou não estavam interessados nos protestos; forçou a comunicação cara a cara e, consequentemente, gerou mais presença física nas ruas; e, finalmente, descentralizou a rebelião, por meio de novas táticas de comunicação híbridas, produzindo uma situação muito mais difícil de controlar e de reprimir do que uma única reunião massiva na Praça Tahrir.
A queda de Mubarak pode ter sido acelerada por esse fenômeno. Hassanpour diz que “ficamos mais normais quando sabemos, de verdade, o que está acontecendo – e ficamos mais imprevisíveis quando não sabemos”.

O estudo de Navid fornece pistas importantes. Mas são muitas as contradições. Nas recentes manifestações européias as democracias de fachada também tentaram bloquear as redes virtuais. Em Londres, o alvo foram os blackberry. Não foi possível porque são muito usados por empresários.

Por outro lado, um fluxo contínuo de informações desorganizadas pode ser mais eficiente que a censura pura e simples. Pode afogar nossa capacidade de reação em seus bilhões de dados.

Mais uma vez fica claro que redes sociais não passam de ferramentas. O importante é saber por quem e com que objetivos elas são utilizadas.

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11/09: um palácio bombardeado

Há uma década, dois aviões de passageiros foram jogados contra as torres gêmeas em Nova Iorque. Há 38 anos, aviões militares jogaram bombas no Palácio La Moneda, em Santiago do Chile. Em ambos os casos, atos de terror que nada pode justificar. De um lado, quase 3 mil mortos. De outro, a única vítima conhecida foi Salvador Allende, presidente eleito por seu povo.

Mas no caso do Chile, o ataque partiu de sua própria classe dominante. E o alvo foi uma construção que quase sempre serviu de sede para seus representantes mais fiéis. Mesmo assim, os generais não tiveram qualquer pudor em ordenar o ataque. Ato amplamente aprovado pelos poderosos de todo o mundo.

Allende foi corajoso até o último momento, mas nunca pensou em transferir o poder às organizações de trabalhadores. Eram os “cordones”, que começavam a controlar fábricas, comércio, transportes e outros serviços. Uma resposta popular à sabotagem dos empresários. Allende preferiu confiar nos homens de seu governo. Entre eles, o general Augusto Pinochet.

O episódio inaugurou uma das ditaduras mais sangrentas da história recente. Mostra como a classe dominante não vacila ao menor desafio a seu poder. Tais demonstrações voltam a acontecer em escala bem menor, mais frequentemente do que parece. Basta observar como a polícia de choque trata grevistas e manifestantes, aqui e no mundo todo.

Processos revolucionários raramente são resultado somente de ações violentas. Já a reação da burguesia não precisa de revoluções para se mostrar cruel e covarde.

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9 de setembro de 2011

“Classes A e B” crescem. Ricos no sossego

Uma notícia e um artigo recentes dizem muito sobre a estrutura social brasileira. A primeira saiu no jornal Valor de 06/09. Trata do surgimento de “novas classes A e B”. Em São Paulo, a classe B seria classificada na faixa entre R$ 5.174 e R$ 6.745 de renda por pessoa. Os da classe A, ficariam acima disso.

De acordo com um estudo da Fundação Getúlio Vargas, são 22,5 milhões de pessoas nessa condição no Brasil. A grande maioria mora nas regiões sul e sudeste. A pesquisa também revela que se trata dos “grupos sociais que mais crescem no país (perto de 12% entre 1993 e 2011)”.

Mas, o critério de renda salarial não é o melhor, afirma Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ele diz que riqueza de verdade se mede pelo patrimônio. Ou seja, empresas, fazendas, altos cargos corporativos e grandes propriedades em geral. Segundo esse critério, os “ricos acumulam um patrimônio de bens e rendimentos correspondente a cerca de 40% do Produto Interno Bruto", diz ele.

O mesmo Pochmann revelou dados sobre a injusta estrutura tributária brasileira em um artigo publicado também no Valor, em 08/09. Segundo o economista, quem ganha até 2 salários mínimos paga quase 49% de impostos. Já os que ganham mais de 30 salários, pagam pouco mais de 26% em tributos.

Nada contra comemorar o crescimento da chamada “classe C”. Mas, tudo indica que se trata de mais uma acomodação da secular e desigual estrutura social do País. No patrimônio da minoria poderosa ninguém mexe. Os realmente ricos continuam no maior sossego.

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8 de setembro de 2011

Ao século 15: fossos e jacarés

Prezados amigos do século 15, desde o século 21 envio-lhes algumas notícias. Estas são tão abundantes que existem publicações que as trazem todos os dias. São os jornais. Foi num deles que li algo que me chamou muito a atenção.

Referia-se a uma obra chamada condomínio. Apresentava tal profusão de coisas incompreensíveis que não me animei a pedir mais esclarecimentos aos amigos que fiz por aqui. Limitei-me a solicitar-lhes uma definição geral sobre o tipo de habitação a que o jornal se referia.

Responderam-me que se trata de áreas cercadas, contando com segurança, comércio e todo tipo de serviço. Pelo que entendi, seu habitantes isolam-se do restante da cidade o máximo que podem. Procuram evitar a violência e os desconfortos da caótica vida urbana destes tempos.

Eis que fiquei mais tranqüilo. Não passam do que chamaríamos de castelos feudais. O problema é que os moradores desses sítios não parecem dar-se conta de que permanecer de tal forma separados não é garantia de sossego. É muito provável que a vida do restante da população cedo ou tarde, de um modo ou de outro, acabe por lhes atingir.

Tal impressão me foi confirmada através de novas leituras dos mesmos jornais. São muitos os relatos de condomínios invadidos por bandidos. Ou casos de violência e crimes cometidos entre seus muros. Sem falar na impossibilidade de estender a proteção residencial aos inevitáveis deslocamentos pelo restante da cidade.

Talvez, fosse melhor cavar fossos ao redor de seus territórios e enchê-los de jacarés. Mas, como sabemos, nem isso impediu que os castelos feudais acabassem por encontrar seu fim.

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6 de setembro de 2011

Fora os militares. Aqui e no Haiti

Os jornais noticiam casos de enfrentamentos entre a população e forças militares em comunidades pobres do Rio. Os moradores de Turano, Cidade de Deus e Alemão estão revoltados com as humilhações que vêm sofrendo. Toque de recolher, lei seca para pedestres, proibição de festas e bailes. Imposições voltadas somente para quem tem a cor “errada” e pertence a uma classe social inconveniente.

Tudo isso é resultado da ação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Na verdade, forças que substituíram o abuso violento do tráfico pela truculenta humilhação de seus moradores. Não representam mais do que uma ocupação militar. Paz mesmo só para as milícias, que continuam a controlar mais de 300 regiões na cidade.

Mas, o que se poderia esperar de forças repressivas que nasceram principalmente para perseguir e matar escravos? Que vêm se especializando na perseguição de pobres desde o Brasil Colônia? Que tiveram seus métodos aperfeiçoados pelas ditaduras de Vargas e dos militares?

O que esperar daqueles que lideram a vergonhosa invasão do Haiti? País que volta às páginas dos jornais com a seguinte manchete: “Forças da ONU no Haiti acusadas por suposto estupro”. As acusações envolvem soldados uruguaios que fazem parte das tropas chefiadas por brasileiros.

Em janeiro passado, um relatório da Anistia Internacional dizia que mulheres haitianas eram atacadas diariamente em campos de refugiados. Violentadas dentro de territórios sob a vigilância e autoridade de tropas da ONU. Eis um dos saldos mais terríveis de sete anos de presença militar no Haiti.

Abaixo as ocupações militares, no Haiti e aqui!

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O cólera e a cólera no Haiti
Inteligência haitiana contra o racismo

5 de setembro de 2011

Guarda-chuva sob céu azul?

A decisão do Banco Central de reduzir os juros revoltou os neoliberais. Estão na imprensa fazendo escândalo. Dizem que a decisão pode elevar a inflação. Exagero de especulador.

Deveriam se preocupar mais com o quê a decisão sinaliza. O pessoal do BC não entende nada do povo e suas necessidades, nem de investimento em áreas sociais, criação de emprego, etc. Mas, entende muito de mercado, produção, especulação.

O BC está prevendo um cenário feio pela frente. Não é para menos. Vejamos alguns dados do jornal Valor, de 02/09:
- O segmento de manufatura da Ásia se desacelerou, com líderes como Coreia do Sul e Taiwan mostrando retração e a China crescendo em ritmo fraco.
- As fábricas numa parte da Europa registraram queda da atividade pela primeira vez em dois anos, com o desaquecimento da Grécia e da Irlanda ameaçando economias de porte como a Itália e a França.
- O banco J.P. Morgan Chase, aponta índice global de manufatura em setembro de 50,1. O nível de estagnação econômica é 50.
- O índice de atividade industrial dos Estados Unidos caiu para o menor nível desde maio de 2009, em plena crise do subprime.
Mas, e o Brasil com isso? Nossa economia é muito dependente da venda de commodities como ferro, petróleo e soja. São cerca de 70% da pauta de exportações. A China é nossa primeira parceira comercial nesse setor. E aparentemente está desacelerando. O problema é que nossa produção de manufaturados também não tem boas notícias.

A mesma edição do Valor explica que:
A exportação da indústria brasileira de transformação ainda é altamente dependente dos Estados Unidos. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), de 14 setores levantados, os americanos são os principais compradores de cinco segmentos - metalurgia, mecânica, madeira, minerais não metálicos e calçados - e são o segundo destino mais importante para outros sete setores - material de transporte, química, celulose e papel, material elétrico, eletrônico e de comunicação, borracha, vestuário e mobiliário.
Não é nada bom depender da economia americana nessa altura do campeonato.

Por fim, a FIESP acaba de revelar que o Brasil perdeu 568 mil empregos desde 2008 devido a problemas com o comércio internacional. Naquele ano, as vendas externas geraram 388 mil empregos industriais. De janeiro a junho deste ano, o resultado foi negativo em 180 mil vagas. Um mais o outro dá os mais de meio milhão de postos de trabalho perdidos.

Ninguém abre guarda-chuva sob céu azul. Há, no mínimo, nuvens pesadas e escuras se formando.

Leia também: O mundo de quimono

2 de setembro de 2011

Apple e homofobia

A aposentadoria de Steve Jobs chamou a atenção do mundo. O fundador da Apple é considerado um gênio da tecnologia digital. Mas, não só. O empresário sabe tudo de mercado. A começar pela marca escolhida para sua companhia.

A famosa maçã mordida tornou-se ícone. Há várias versões sobre sua origem. Uma delas diz que é uma homenagem ao pai da física moderna, Isaac Newton. Outra versão afirma que se trata da maçã oferecida pela serpente a Eva. Motivou a expulsão do Paraíso, mas também abriu as portas da ciência para a humanidade.

Outra versão tem Alan Turing como homenageado. Nascido em 1912, em Londres, Turing era um gênio da matemática. Aos 25 anos, escreveu um artigo chamado "Sobre as Máquinas Computáveis". O estudo dizia ser possível criar uma máquina capaz de fazer cálculos altamente complexos. Era o rascunho dos atuais computadores.

Poucos anos depois, Turing entraria de cabeça na 2ª Guerra. Dedicou-se a decifrar os códigos de mensagens do inimigo. Criou o Colossus, antepassado dos atuais PCs. Graças a ele, os ingleses decifravam 50 mil mensagens por mês, em 1942.

O problema é que Turing era homossexual. Motivo pelo qual foi preso em 1952. Ajudara a derrotar o nazismo para ser vítima de preconceitos em seu próprio país. Foi condenado a tomar hormônios que deformaram seu corpo. Em junho de 1954, desesperado, matou-se, mordendo uma maçã cheia de veneno.

Improvável que tal história tenha inspirado Jobs. Mas, serve como denúncia. Continuamos a sofrer com as intolerâncias mais estúpidas e violentas. Muitas vezes, utilizando modernos aparelhos eletrônicos e redes virtuais para fazer suas vítimas.

Leia também:
Velhas intolerâncias atuais
CNBB e Forças Armadas contra a causa gay

1 de setembro de 2011

O voto e a risada enlatada

O filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek é considerado um dos principais pensadores de esquerda da atualidade. Certa vez, ele escreveu sobre a máquina de risadas inventada pelo engenheiro estadunidense Charles Douglass. Trata-se de um mecanismo que solta aquelas gargalhadas que ouvimos em séries e programas humorísticos de televisão.

Para obter fartas risadas, bastava acionar os botões do tal dispositivo. Eis o que Zizek disse num artigo publicado na Folha de S. Paulo:
... quando, à tarde, chego em casa, exausto demais para me dedicar a uma atividade útil, eu simplesmente aperto o botão da TV e assisto a “Cheers”, “Friends” ou a outro seriado; mesmo se eu não rir, mas apenas olhar fixamente para a tela, cansado depois de um dia difícil de trabalho, eu não obstante me sinto reconfortado depois do programa – é como se a tela de TV estivesse literalmente rindo no meu lugar, em vez de mim... (“A risada enlatada”, 01/06/2003).
Em 30/08, a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) escapou da cassação. Ela teve seu mandato ameaçado depois de aparecer em vídeo recebendo dinheiro do delator do “mensalão do DEM”. Em votação secreta, a maioria de seus colegas livrou sua cara.

Ao mesmo tempo, o governo federal luta contra a regulamentação da emenda 29. Medida que elevaria de 7% para 10% a parcela destinada à saúde no orçamento federal. Em sua campanha eleitoral, Dilma prometeu priorizar os investimentos em saúde pública.

Estes são só alguns exemplos a serem lembrados nas próximas eleições. É o que acontece quando a elite consegue limitar a participação política popular ao voto. Delegar nossa vontade a políticos profissionais é como deixar que a TV ria por nós. A diferença é que eles riem de nós.

Nas próximas eleições, não se assuste. Ao apertar o botão “confirma” na urna eletrônica, ela pode disparar sonoras gargalhadas.

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